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A determinação silenciosa das tartarugas

  • Foto do escritor: Mirna Wabi-Sabi
    Mirna Wabi-Sabi
  • há 4 dias
  • 5 min de leitura


Texto por Mirna Wabi-Sabi, fotos por Fabio Teixeira

Tartarugas são criaturas majestosas. Por diversos motivos, elas se tornaram ícones da longevidade. Primeiramente, elas sobreviveram o evento que causou a extinção em massa dos dinossauros. Hoje, elas podem viver por mais de um século. Podem viver, não – deveriam poder viver. A civilização humana está essencialmente por trás de tudo que as ameaça. Poluição de diversos tipos, empreendimentos imobiliários, tráfego marítimo, pesca industrial, elevação do nível do mar e eventos climáticos extremos causados pelo aquecimento global, perda de habitat, erosão de solos praianos e o dano inimaginável dos vazamentos de petróleo nos oceanos parecem ser mais avassaladores do que um cometa ou asteroide gigantesco atirado contra a Terra.

Durante milhares de anos, civilizações humanas em todos os continentes têm adorado a figura da tartaruga. Mais de 35 mil anos atrás ela já era venerada no cerne da Ásia Ocidental (o Levante), sendo considerada o símbolo religioso mais antigo em uma das sociedades mais antigas da nossa história. E até mero meio século atrás, a América do Norte era conhecida como a Ilha da Tartaruga por povos indígenas locais.

A deterioração da mitologia, lenda e folclore centrados em entidades da natureza é recente, mas perdem espaço ferozmente para os que centram as grandes indústrias e empreendimentos globais. O paradigma cultural que surge com a industrialização não parece se preocupar com a longevidade humana ou mais-que-humana, e isso não pode permanecer realidade.

Na praia de Itaipu, em Niterói–RJ, o projeto Aruanã há 15 anos monitora tartarugas marinhas no entorno da Baía de Guanabara. Para as biólogas, colaboradores, voluntários e apoiadores deste projeto, está claro que a prosperidade das tartarugas é inseparável da prosperidade humana. Esse animal exerce um papel amplo no equilíbrio do ecossistema natural desse planeta, do qual nós fazemos parte e dependemos para sobreviver. Ou seja, o declínio da tartaruga como espécie desencadeia uma sequência de danos nos ecossistemas marinhos, que por sua vez prejudicam a nossa subsistência.

Diversas coisas podem ser feitas para proteger as tartarugas além de denunciar e demandar que grandes indústrias parem de poluir e destruir o habitat delas. Para indivíduos como nós, sem posições de total poder de decisão em multinacionais e corporações, é possível reduzir o consumo de plástico, e quando há consumo dele, reciclar, para garantir que esse resíduo não acabe nos oceanos. A sede do projeto Aruanã em Itaipu recebe embalagens descartáveis limpas de plástico reciclável e esponjas usadas para garantir que o destino desses resíduos não cause danos futuros nos oceanos.

Uma iniciativa ainda mais simples e acessível para a população geral é o que o Aruanã chama de “Ciência Cidadã.” Ao observar uma tartaruga em algum lugar, viva ou morta, você pode tirar uma foto e enviar para eles com local, data e horário. Com esses dados, a equipe da organização monitora o ciclo de vida dessas criaturas, assim identificando desafios e obstáculos que elas enfrentam para completar esse ciclo.

Esse ano, o Aruanã renovou seu contrato de financiamento com o Programa Petrobras Socioambiental, e poderá dar início a um novo projeto – o de rastreamento de tartarugas marinhas por satélite (Telemetria Satelital). Com essa tecnologia, será possível acompanhar os padrões migratórios de diversas tartarugas com precisão e eficácia. Para as biólogas do projeto, é sempre emocionante quando uma tartaruga é encontrada novamente, anos depois, numa região distante de onde ela foi primeiramente registrada. Não só porque as chances são pequenas de as encontrar nos vastos oceanos, mas também porque é gratificante ver e registrar evidência de sua prosperidade.

Hoje, a identificação de tartarugas pode ser feita pelo número em suas tags, ou pelo desenho das escamas em suas cabeças, que exercem a função de impressões digitais. Com Telemetria Satelital, dados preciosos podem ser coletados sobre locais e temperaturas preferidas das tartarugas, e como essas regiões interagem com o comportamento humano. Para a tartaruga-verde, por exemplo, que conforme o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade “é a única espécie que se reproduz nas ilhas oceânicas brasileiras,” evidências científicas irrefutáveis podem ser registradas sobre elas. Essas evidências podem, por sua vez, ser usadas para “facilitar o estabelecimento de acordos multinacionais para a conservação.” Sabemos que alcançar acordos, como os que serão discutidos na COP30 em Belém, e garantir que eles sejam cumpridos no nível institucional e global são desafios esmagadores, por isso cumprir acordos entre nós mesmos e nossas comunidades é um primeiro passo alcançável.

Os oceanos não se submetem ao desejo das indústrias, ou das restrições de fronteiras estatais. O que acontece neles é responsabilidade de toda a humanidade. Como membros dessa humanidade, temos o poder ajudar a forjá-la. Enfrentar ameaças antropogênicas aos locais cruciais no ciclo de vida de animais como a tartaruga não só é salubre para a humanidade, é também fundamental para não desencadearmos nosso próprio evento de extinção em massa.

O projeto Aruanã faz um trabalho detalhado de coleta e sistematização de dados, desenvolvimento de pesquisas acadêmicas na área de biologia marinha e sustentabilidade, e também de engajar a população local no que eles chamam de “preocupação ambiental relacionada ao ambiente marinho.” Se ‘preocupar’ nada mais é do que fomentar uma narrativa coletiva, comunitária, que visa estimular a prosperidade da flora e fauna no nosso canto do planeta, também porque somos parte dessa fauna. Os avanços tecnológicos e econômicos que testemunhamos nesse último século não precisam se tornar apenas uma fonte de aniquilação ambiental, onde o consumo e descarte só aumentam infinitamente, sem visão de impactos no longo termo. Se a tartaruga nos ensina algo, é que a longevidade é alcançada em pequenos passos decisivos. E todos os dias fazemos escolhas impactantes.

Os “Objetivos do Desenvolvimento Sustentável” (ODS) da ONU, especialmente o ODS 14 – “Vida na Água” –, reforçam a urgência de conservarmos e engajarmos com os oceanos de forma sustentável ao longo termo. A proteção das tartarugas marinhas se insere nesse esforço global, nos lembrando que não há futuro possível para os humanos sem o bem-estar ecológico. Projetos como o Aruanã demonstram que, mesmo diante de desafios globais avassaladores, ações locais e cotidianas são fundamentais e eficazes. A tartaruga simboliza a necessidade de desacelerar o consumo, refletir e agir com responsabilidade, sem perder de vista que a mudança é feita, sobretudo, por aqueles que insistem em trilhar o caminho da preservação da natureza. Ao proteger as tartarugas, estamos, na verdade, defendendo a possibilidade de um futuro saudável para todos, onde a natureza possa existir em equilíbrio. Que a humanidade se inspire a seguir a mesma determinação silenciosa das tartarugas, rumo a um planeta mais saudável e digno.


Fotos tiradas dia 20 de maio, 2025, na praia de Itaipu, Niterói-RJ, por Fabio Teixeira, do Projeto Aruanã.

Fotos tiradas dia 15 de maio, 2025, na Praia da Ilha do Governador, por Fabio Teixeira, do grupo Orla Sem Lixo.

Fotos tiradas dia 21 de abril, 2025, na Praia da Ilha do Governador, por Fabio Teixeira, da ecobarreira no canal do cunha.

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