A ascensão e queda da influência econômica dos EUA sobre o Brasil
- Mirna Wabi-Sabi
- 6 de ago.
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"Aqui no Hemisfério Ocidental, estamos comprometidos em manter nossa independência frente à invasão de potências estrangeiras expansionistas. Desde o governo do presidente Monroe, é uma política formal de nosso país rejeitar a interferência de nações estrangeiras neste hemisfério e em nossos próprios assuntos." (Declaração do presidente Donald Trump em 2018)
Manifestação contra a Tarifação de Trump, 01/08/2025. Em frente ao Consulado dos EUA, área central do Rio de Janeiro.
O início da relação entre o Brasil e os Estados Unidos foi moldada por uma combinação de oportunismo diplomático, alinhamento ideológico e interesse econômico. Um instrumento-chave dessa relação foi a Doutrina Monroe, anunciada em 1823, que declarava que as Américas não estavam mais abertas à colonização ou intervenção europeia. Embora essa política tivesse como objetivo impedir as monarquias europeias de interferirem nas recém-independentes repúblicas da América Latina, ela carregava uma estratégia de longo prazo: a substituição gradual da influência europeia na América Latina pela dos Estados Unidos. No caso do Brasil, mesmo que sua independência de Portugal tenha ocorrido na forma de uma monarquia constitucional em vez de uma revolução republicana, os Estados Unidos foram o primeiro país a reconhecer a independência brasileira, em 1824, sinalizando o desejo de incluir o Brasil em sua esfera de influência.
No século XIX, o Brasil permaneceu economicamente ligado ao Império Britânico, que financiava infraestrutura como ferrovias e dominava o comércio de commodities como café e açúcar. Os Estados Unidos, por sua vez, eram uma potência em ascensão, buscando expandir seu alcance comercial. A Doutrina Monroe ofereceu um arcabouço retórico e ideológico para essa expansão, posicionando os Estados Unidos como o guardião da liberdade e da independência no Hemisfério Ocidental. No entanto, na prática, isso significava abrir caminho para a influência econômica dos EUA. Com o tempo, Brasil e Estados Unidos passaram a se alinhar mais de perto, não apenas politicamente (como visto durante a Segunda Guerra Mundial, quando o Brasil enviou tropas para lutar ao lado dos Aliados), mas também economicamente. Empresas estadunidenses passaram a atuar nos setores brasileiros de energia, agricultura e extração de recursos a partir da metade do século XX.
Embora a Doutrina Monroe tenha funcionado inicialmente como um alerta à Europa, ela evoluiu para uma justificativa da dominação regional dos Estados Unidos. Especialmente durante a Guerra Fria, a doutrina deu suporte a golpes de Estado, imposição de políticas econômicas e assistência militar, tudo com o objetivo de manter os países latino-americanos dentro da órbita dos Estados Unidos. O golpe militar de 1964 no Brasil contou com apoio dos EUA e levou a décadas de ditadura sob um regime que acolheu capital e comércio estadunidense, especialmente nos setores de energia e mineração. Esse período marcou a consolidação de um modelo econômico dependente dos EUA, centrado na exportação de bens primários, mão de obra de baixo custo e investimento estrangeiro direto (IED), muitas vezes à custa da soberania econômica.
Fusão de Mercados e Integração de Recursos
A partir da década de 1990, sob a globalização neoliberal, a economia brasileira tornou-se cada vez mais integrada à dos Estados Unidos. Isso foi reforçado por políticas que incentivaram a privatização, a desregulamentação e a liberalização comercial. O agronegócio brasileiro prosperou com o investimento e as exportações voltadas aos EUA, enquanto grandes multinacionais expandiram sua presença, especialmente nos setores de petróleo (como a Chevron), energia e bens de consumo. A influência dos EUA substituiu, de forma eficaz, a dominação europeia nas relações externas do Brasil, em consonância com o longo alcance da Doutrina Monroe.
O resultado foi uma dependência estrutural – o Brasil permaneceu como uma economia exportadora de commodities, dependente de preços internacionais voláteis e de capital externo, particularmente dos EUA e da China. Com controle limitado sobre desenvolvimento tecnológico ou política industrial, o Brasil se vê inserido em um paradigma neocolonial mais baseado em economia do que em exércitos.
Manifestação Pró-Bolsonaro, 03/08/2025. Praia de Copacabana, zona sul do Rio de Janeiro.
A Era Trump: Reafirmação ou Reversão da Doutrina Monroe?
Com a eleição de Donald Trump, ocorreu uma mudança. Sua administração, sob o lema de "America First", começou a se afastar de alguns dos princípios centrais da política econômica externa dos Estados Unidos. Trump impôs tarifas sobre o aço e o alumínio brasileiros, citando soberania nacional e proteção de empregos. Ele também reduziu o apoio a acordos comerciais multilaterais, retirou-se de compromissos ambientais globais e promoveu um nacionalismo econômico que, implicitamente, contradiz a globalização de livre mercado defendida por administrações dos EUA anteriores.
Isso marcou uma reversão parcial da lógica econômica da Doutrina Monroe. Em vez de expandir os mercados estadunidenses no exterior e integrar as Américas sob liderança dos EUA, Trump buscou proteger as indústrias dos Estados Unidos da concorrência, mesmo de países aliados como o Brasil. Foi um esforço para reduzir a dependência americana de recursos estrangeiros – um contraste marcante com a estratégia centenária de extração desses recursos via comércio com a América Latina.
Em parte, essa reversão foi impulsionada por pressões políticas internas. A desindustrialização nos EUA, especialmente no chamado "Cinturão da Ferrugem", levou a um ressentimento em relação ao livre comércio. A base de apoio de Trump vê a globalização econômica como prejudicial aos trabalhadores americanos, enquanto beneficiava elites e potências estrangeiras. Romper laços com parceiros comerciais tradicionais, mesmo ao custo de boa vontade internacional, foi apresentado como um caminho para restaurar a força dos Estados Unidos.
Por um lado, as tarifas de Trump e o recuo do livre comércio enfraqueceram os canais de exportação do Brasil, especialmente para produtos industrializados. O setor agrícola também enfrentou novas vulnerabilidades, embora a China tenha absorvido parte desse comércio. Por outro lado, as políticas de Trump forçam o Brasil a reconsiderar sua dependência estrutural dos EUA. Isso pode representar uma oportunidade para o Brasil desenvolver mais autonomia e investir em autossuficiência.
Romper com a dependência não é fácil, especialmente quando a China se torna a nova força dominante nas relações comerciais do Brasil, principalmente em soja, minério de ferro e petróleo. A questão deixa de ser se o Brasil depende dos Estados Unidos, e passa a ser se está apenas trocando uma potência hegemônica por outra.
Muitos brasileiros pró-EUA, particularmente à direita ou em círculos empresariais, paradoxalmente apoiaram Trump, apesar de suas medidas protecionistas. Esse apoio é frequentemente ideológico, vindo da admiração pelo estilo autoritário de Trump, sua postura anti-China ou seus valores sociais conservadores. Também há a crença, entre algumas elites, de que se alinhar aos Estados Unidos, independentemente das contradições políticas, garante estabilidade geopolítica e econômica. Esses setores podem ver Trump como um modelo de rompimento com restrições “globalistas” ou de fortalecimento da identidade nacional – mesmo que isso signifique aceitar danos econômicos de curto prazo.
Em contraste, brasileiros anti-EUA, frequentemente à esquerda, se opõem às políticas de Trump não porque rompem com a dependência do Brasil, mas porque fazem isso nos termos estadunidenses, de forma unilateral e sem oferecer alternativas. Esses críticos temem que o nacionalismo econômico estadunidense desestabilize os setores exportadores do Brasil, enfraqueça o frágil equilíbrio capitalista e reduza qualquer alavancagem que o Brasil ainda tenha nos mercados globais. Ironicamente, essa oposição pode levar à defesa das estruturas de comércio globalizado, que também reproduzem a posição de dependência do Brasil.
Embora a Doutrina Monroe tenha nascido como um escudo retórico contra o colonialismo europeu, ela se tornou uma ferramenta da expansão americana. O Brasil, como uma potência imperial relativamente autônoma no século XIX, acabou sendo incorporado à ordem econômica liderada pelos Estados Unidos. Ao longo de dois séculos, a política dos EUA moldou o papel do Brasil na economia global como fornecedor de recursos e destino de investimentos, frequentemente às custas do desenvolvimento nacional.
O nacionalismo econômico de Trump interrompeu essa trajetória – não ao empoderar o Brasil, mas ao retirar a mão americana. Para o Brasil, isso cria tanto riscos quanto oportunidades. O colapso dos padrões anteriores pode abrir espaço para uma maior soberania econômica, mas apenas se brasileiros tiverem visão e coordenação para agir. Caso contrário, o vácuo deixado pelos EUA poderá ser simplesmente preenchido por outra potência, repetindo o mesmo ciclo sob uma nova bandeira.
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