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  • O preço da conectividade na COP30

    Como conseguir investimentos movidos por moralidade, e não por lucro? Sobretudo, o que significa aceitar o dinheiro para a proteção ambiental de quem lucra com sua destruição? Escrito por Mirna Wabi-Sabi __ O primeiro dia da COP30 começou com discursos cuidadosamente calibrados para soar esperançoso. As palavras mais repetidas foram financiamento e inovação. Quase nada se falou sobre quem financia, com quais estipulações, e com que custos sociais e ambientais. As mesas giravam em torno de parcerias, mas os acordos soavam ocos, projetos verdes sustentados pelo mesmo capital que destrói. No Pavilhão dos Oceanos, a ex-primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, fez uma intervenção moral em meio à tecnocracia. “Precisamos começar a encarar o fato de que existem áreas onde precisamos desesperadamente de preservação e restauração. Onde pode não haver um imperativo financeiro, mas há um moral. E nossos oceanos são um exemplo disso.” Quando Ardern fala em “imperativo moral,” ela nos lembra que nem tudo pode ser precificado. Mas a pergunta que ficou suspensa no ar foi: como conseguir investimentos movidos por moralidade, e não por lucro? Sobretudo, o que significa aceitar o dinheiro para a proteção ambiental de quem lucra com sua destruição? Para Coral Pasisi, diretora de Mudanças Climáticas e Sustentabilidade na Comunidade do Pacífico, muitas iniciativas não têm o “luxo” de escolher de onde vem financiamento, concordar com estipulações de empresas onde há conflito de interesse nas operações nem é parte da conversa. A ativista Naira Santa Rita Wayand, presente em outra mesa sobre refugiados do clima, disse que cada um de nós está “mais perto de ser deslocado por causa das mudanças climáticas do que de se tornar um bilionário.” Os bilionários aparecem nas manchetes; os deslocados e o longo processo dos desastres climáticos, nem tanto. O colapso climático continua se acumulando em silêncio até que se torna irreversível. O evento segue dominado pela lógica do financiamento e das parcerias público-privadas, que frequentemente substitui o debate ético por métricas de eficiência e retorno, especificamente através do avanço tecnológico. Foto por Alice Hsieh A China e o novo eixo do discurso verde   Entre as presenças mais comentadas na COP30, a China se destacou pela ambiguidade de seu papel; o maior emissor de gases do mundo, e líder da transição energética ao mesmo tempo. Sua atuação é descrita como “cooperação Sul-Sul” ( South-south cooperation ), um termo diplomático para a reconfiguração da influência global. A presença chinesa com delegações sobre energias limpas, Green Tech , e inteligência artificial para o clima também serviu para reforçar a ideia de que o futuro tecnológico pertence ao “Sul;” às nações historicamente colonizadas ou economicamente marginalizadas. Enquanto os chefes de Estado disputavam narrativas de protagonismo, longe das câmeras, outros painéis mostravam a face concreta dessa nova corrida verde de cidades conectadas, florestas monitoradas e corpos digitalizados. Foto por Alice Hsieh Amazônia digital O projeto Norte Conectado foi apresentado pelo assessor especial Jefferson Nacif, do Ministério das Comunicações como parte do programa Amazônia Integrada e Sustentável. Ele instala cabos de fibra óptica subfluviais ao longo de 12 mil quilômetros de rios amazônicos, prometendo levar internet a mais de 10 milhões de pessoas em 60 municípios. Em entrevista, Nacif explicou que “estar conectado é estar integrado na sociedade. Por isso temos que levar conectividade a todas as pessoas,” seja para o entretenimento ou para acessar serviços públicos. Hoje, mais de 4.500 serviços do governo são digitais, a cidadania digital se torna mais e mais inescapável. Segundo ele, a fibra é mais barata e sustentável que o satélite, e o impacto ambiental seria “zero,” já que os cabos “são deitados nos leitos dos rios” por barcos, sem a necessidade de cortar qualquer árvore. O discurso ecoou um otimismo tecnológico que enxerga a infraestrutura como sinônimo de inclusão. Por outro lado, como determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), consultar as comunidades locais é o que garante a inclusão. Uma consulta livre, prévia e informada a povos indígenas sobre qualquer projeto que afete seus territórios é um direito internacional. No caso do projeto Norte Conectado, essa digitalização avança, mas sem tal diálogo, pois ainda não houve pesquisa profunda com as comunidades sobre quais recursos eles requerem e como querem receber. A barqueata da Cúpula dos Povos, realizada dia 12 na Baía do Guajará, em Belém recebeu falas de lideranças que criticaram a apropriação dos rios  por projetos de infraestrutura e a falta de escuta do governo em relação às populações tradicionais. “Projetos de infraestrutura” inclui cabos de fibra óptica instalados nos leitos dos rios amazônicos sem consulta prévia. A digitalização traz identidade (RG, carteira de motorista, prova de vida), saúde, e educação. E também traz vício, vigilância e precarização. A dupla face da tecnologia significa que levar internet a quem tem vivido desconectado do mundo digital pode resultar em inclusão, mas também pode ser uma nova fronteira do extrativismo digital se não abordado de forma cuidadosa, crítica e consciente. Foto por Alice Hsieh A IA “do mal” O acesso à internet também significa exposição a diversas novas tecnologias cujas repercussões ainda estão se revelando. A internet viabiliza o contato com a IA e isso reforça a necessidade de abordar inclusão digital cuidadosamente. O advogado Luã Cruz, do Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC), lançou uma crítica direta ao otimismo tecnológico logo após a mesa do Instituto de IA para o Clima. Ele abordou os palestrantes, apontando que todos são homens brancos, para perguntar: O que vocês estão fazendo sobre as IAs do mal? Em entrevista posterior, ele explicou o que quis dizer. A primeira maldade é de onde surge a IA. “Ela não é artificial, está em algum lugar,” nos grandes data centers , armazéns gigantescos que consomem água, energia e território. “O problema começa aí.” Segundo Cruz, o mesmo sistema que promete inclusão digital consome os recursos naturais das comunidades que pretende “integrar.” No Ceará, ele citou o exemplo de um data center do TikTok construído ao lado de uma comunidade indígena que já vive com escassez hídrica. “Um data center precisa de muita água para ficar resfriado.” E para quê? “Memes, dancinhas.” Não é um data center para saúde, para educação. “É muita perda e pouco retorno.” Há ainda outros tipos de IA “do mal”: Deepfakes usados em golpes, propagandas falsas ou pornografia infantil; Reconhecimento facial aplicado em segurança pública, que erra mais com rostos negros ; Sistemas de crédito e seguros baseados em IA que discriminam contra pessoas pobres ; O novo “overview” do Google, que captura conteúdo jornalístico sem remunerar quem o produz. Entre outros, incluindo impactos indiretos como lixo eletrônico e mineração para confecção de chips provenientes da inserção da população mundial ao mundo digital. As inteligências artificiais herdaram os mesmos vieses, desigualdades e hierarquias do mundo que as criou. IA “não é nem inteligente nem artificial, né?” Ela se torna a automação das injustiças que já existem. A floresta precisa de Wi-Fi para continuar em pé? De acordo com Cruz, “mudar a vida dessas pessoas não vai só mudar o hábito delas, não vão só consumir mais coisas. Elas vão deixar os hábitos que deixam a floresta de pé. Eu acho que esse é um grande problema.” Foto por Alice Hsieh Uma nova fronteira de DPIs e dados O painel de IA e Digital Public Infrastructure  (DPI) se apresentou como uma promessa de eficiência – integrar sistemas públicos, oferecer pagamentos instantâneos (como PIX), monitorar irrigação e “tornar visível o impacto ambiental.” Entre os apoiadores, a Fundação Bill & Melinda Gates, promotora do programa “ DPI for People and Planet ,” premiou 5 projetos no Desafio de inovação, incluindo o projeto brasileiro Trust Carbon, que afirma “dar visibilidade a pequenos agricultores” ao conectá-los à indústria de compensação de carbono. A tecnologia que promete dar visibilidade coleta dados biométricos, usa reconhecimento facial para verificação de checkpoints  e alimenta bancos de dados globais de crédito de carbono. Trata-se de redefinir quem é visível, rastreável, e tem a oportunidade de entrar no mapa digital. Foto por Mirna Wabi-Sabi Soluções de código aberto baseadas em IA de Laos O projeto SAFIR ( Smart AI-based Farming & Irrigation for Resilience ), da Alisa Luangrath, foi vencedor do Prêmio IA para Ação Climática desse ano. Com sensores e aprendizado de máquina, a iniciativa usa IA para economizar água na irrigação em áreas de Laos vulneráveis à seca.   O diferencial é que o projeto adota licenças abertas, publica seus códigos no GitHub, e compartilha os dados com painéis públicos e APIs (Interfaces de Programação de Aplicações). E ainda mais, fornece esses serviços tecnológicos na língua local para garantir acessibilidade a fazendeiros da região. Enquanto grandes corporações transformam dados ambientais em ativos financeiros, Luangrath oferece um exemplo de tecnologia de IA acessível e transparente. Quando se fala em inovação climática, o caso do SAFIR   demonstra o real potencial da tecnologia para, no mínimo, mitigar os danos de eventos climáticos extremos e promover o uso eficiente de recursos. Na COP30, há diversas contradições. As próprias apresentações sobre tecnologia sofreram problemas tecnológicos com microfones, visualizações no telão, e ar-condicionado. O calor e a umidade testam a sanidade da delegação de qualquer nacionalidade, enquanto falamos de combater o aquecimento global com financiamento do setor privado. Ao mesmo tempo em que líderes discutem inteligência artificial para salvar o planeta, a conferência depende de patrocinadores com histórico ambiental problemático, como a Petrobras e a Vale, cujos acordos ainda carecem de transparência e cujas operações não são observadas. Enquanto isso, comunidades que vivem nas margens dos rios com cabos de fibra óptica continuam escanteadas. Talvez haja coisas que nenhum algoritmo pode consertar, como a distância entre discurso e realidade. __ Fontes: Entrevistas exclusivas de Mirna Wabi-Sabi com Jefferson Nacif (Ministério das Comunicações, 11 nov 2025) e Luã Cruz (IDEC, 11 nov 2025), gravações autorizadas. Citações de Jacinda Ardern e Naira Santa Rita Wayand, COP30, Belém do Pará. Informações adicionais de painéis “IA para Ação Climática” e “DPI for People and Planet.” __ Originalmente publicado na Le Monde Diplomatique Brasil , sem imagens.

  • “Chega de chacina, polícia na favela, Israel na Palestina!”

    Este era o grito no protesto no Rio de Janeiro, dia 31 de outubro. Fotos e vídeos de Fabio Teixeira, 31 de outubro de 2025, no Rio de Janeiro. Dia 28 de outubro de 2025, o Rio de Janeiro se transformou numa zona de guerra . Uma megaoperação das forças de segurança do estado do Rio, envolvendo cerca de 2.500 policiais, foi deflagrada contra a facção criminosa Comando Vermelho . Pelo menos 132 pessoas  foram mortas, tornando a operação policial a mais letal da história da cidade. Na madrugada do dia 29, mais de cinquenta corpos foram carregados por moradores e dispostos em uma praça pública no Complexo da Penha, para que os familiares pudessem tentar identificá-los – sem qualquer apoio do Estado. Muitos dos mortos chegaram apenas de cueca, anônimos. O protesto No dia 31 de outubro, um protesto pela paz reuniu moradores das favelas, jovens, familiares das vítimas, ativistas e defensores dos direitos humanos. A energia era urgente e intensa – faixas pedindo o fim do massacre, a identificação das vítimas e justiça para as favelas tremulavam ao vento. Mães e pais se sentavam nas calçadas, chorando, em silêncio, com a cabeça baixa. O trauma coletivo era palpável. As pessoas no Rio e nas comunidades vizinhas falam de choque e luto, mas também de raiva e determinação. O protesto foi uma declaração de que o governo não sairá impune dessa brutalidade. Exigiremos nomes, identificação e apoio jurídico para as famílias. Porque sem isso, não há justiça, apenas apagamento. O massacre expôs a forma como o Estado trata os corpos (e as vidas) de homens, em sua maioria jovens, negros e de baixa renda, moradores das favelas. Após a operação, autoridades governamentais a declararam um sucesso, mas os moradores percebem que essa estratégia assassina de operações policiais, que já dura décadas e que claramente só aumenta o número de vítimas, ainda não apresentou resultados. E nunca apresentará resultados no combate ao crime organizado, porque não aborda a raiz do problema: a subjugação sistêmica dos moradores das favelas e o racismo institucionalizado. Tudo o que faz é satisfazer uma ideologia supremacista e sanguinária de limpeza étnica e extermínio de um contingente da população que não é útil para a manutenção do sistema capitalista. Essas pessoas mortas são seres humanos e merecem dignidade, humanidade e direitos. De acordo com direitos humanos internacionais, o Estado tem o dever de identificar as vítimas, notificar as famílias, fornecer apoio jurídico e psicossocial e, o mais importante, conduzir uma investigação independente. Essas obrigações não são opcionais e ainda não foram cumpridas. A ausência dessa resposta, a falha em identificar adequadamente os mortos e o tratamento vergonhoso da situação como "bandido bom é bandido morto" sinalizam violência institucional em níveis sem precedentes. Sejamos claros: mesmo que todas as pessoas mortas nesta operação fossem membros de gangues (o que ainda não foi comprovado), isso não isenta o Estado de sua responsabilidade. São jovens, em sua grande maioria negros e moradores de favelas. Foram atacados, encurralados, baleados, esfaqueados, decapitados, sem julgamento ou devido processo jurídico. Quando um segmento da população (definido por raça e classe) é tratado como um inimigo a ser exterminado, estamos entrando no âmbito do genocídio. A narrativa oferecida pelo Estado, de que 'um morador de favela merece morrer porque faz parte de um Estado paralelo inimigo,' espelha outras narrativas genocidas em todo o mundo. Diz-se que os palestinos merecem morrer por causa do Hamas; os moradores de favelas merecem morrer por causa do crime organizado e de gangues como o Comando Vermelho. Até mesmo as armas usadas no Rio incluem fuzis de fabricação israelense (como o IWI Arad fornecido à Polícia Militar do Rio). Em ambos os casos, as pessoas são desumanizadas, privadas de direitos, excluídas da ordem simbólica. Essa é a lógica do genocídio, quando a violência é normalizada contra um outro indesejado. O que Lula disse O presidente Lula gerou controvérsia ao afirmar que os traficantes de drogas também são vítimas dos usuários; há pessoas que vendem drogas porque há pessoas que compram, e pessoas que compram porque há pessoas que vendem. A oposição disse que isso equivalia a banalizar o crime de tráfico. No entanto, a declaração aponta para algo mais profundo: o reconhecimento de que aqueles que são forçados a entrar na economia das drogas são, eles próprios, vítimas de um sistema de subjugação, desigualdade e consumo por parte dos privilegiados. No contexto deste massacre mais recente, a implicação é clara. Jovens reduzidos a bucha de canhão, lutando uma guerra sobre a qual tiveram pouca escolha, parte de economias informais geradas pela falta de oportunidades, enquanto os consumidores da classe média e da elite permanecem protegidos do escrutínio e consequência. As palavras do presidente deveriam nos levar a enxergar além do rótulo de "criminoso" ou "bandido" e perguntar: Por que tantas vidas são consideradas descartáveis nas favelas? Por que essa operação fracassa A lógica da megaoperação é cruelmente simples: usar força esmagadora, apreender armas e declarar vitória. Mas décadas de operações semelhantes no Rio e no Brasil mostram que isso não quebra o ciclo de crimes violentos. Pesquisas demonstram que a polícia do Rio mata mais pessoas em operações a cada ano do que a polícia dos Estados Unidos inteiro. O trauma dessa violência se espalha, famílias são destruídas, crianças ficam órfãs, comunidades aterrorizadas e desconfiadas. O protesto pela paz no Rio não se resume a essa única operação; é um grito contra décadas de policiamento militarizado, violência racial e negligência estrutural. Um apelo por justiça e humanidade Após os acontecimentos de 28 e 29 de outubro, as exigências são claras: Todas as vítimas devem ser identificadas; as famílias informadas; e deve ser fornecido apoio jurídico, financeiro e psicossocial. Uma investigação completa e transparente sobre como e por que as pessoas foram mortas. O fim das declarações que criminalizam comunidades inteiras em vez de abordar as causas profundas da desigualdade, do racismo, da falta de oportunidades, da marginalização, do consumo de drogas por parte dos privilegiados e da corrupção em instituições governamentais que encobrem má conduta e uso excessivo da força. O policiamento deve ser substituído por investimento social e pela reconstrução do contrato social para desmantelar suas estruturas de racismo institucional. Se esperamos que o mundo condene a violência em outros lugares, que defenda os chamados países 'civilizados' que respeitam os direitos humanos, devemos primeiro olhar para nós mesmos. A supremacia branca e a violência patrocinada pelo Estado continuam sua lógica genocida no Brasil, em Gaza, em todos os lugares. Para aqueles de nós que não foram diretamente afetados, a luta não acabou. Devemos fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para apoiar as comunidades afetadas, exigir justiça e desafiar as narrativas de extermínio. Esta não é apenas uma crise no Rio; é um espelho que reflete o globo. Veja mais fotos aqui. _____ Mirna Wabi-Sabi é escritora, editora da Sul Books e fundadora da Plataforma9 . Ela é autora do livro Anarco-transcriação  e produtora de diversos outros títulos pela editora P9 .

  • Guerra no Rio: a desigualdade de visibilidade e proteção legal entre mortos de uma operação policial

    "Segundo normas internacionais de direitos humanos, às quais o Brasil está juridicamente vinculado ,  toda morte ocorrida em operações de segurança deve ser registrada, investigada e acompanhada de identificação completa das vítimas." No dia 28 de outubro de 2025, mais de 119 pessoas foram mortas no Rio de Janeiro, na operação policial mais letal da história do Estado. A facção retaliou com drones, explosivos e barricadas. O número de mortos, o ambiente em favelas densamente povoadas, e o fato de muitos mortos ainda sem identificação completa geram questionamentos sobre como, quem, e em que circunstâncias morreram. Entes perdidos foram negados a presença de familiares e a perícia, amarrados com cordas náuticas e transportados em caminhonetes para o hospital Getúlio Vargas, e de lá, para o Instituto Médico Legal. O fato de apenas os policiais serem nomeados evidencia desigualdade de visibilidade e proteção legal entre mortos de uma operação, influencia a narrativa midiática e levanta questões sérias sobre direitos humanos, justiça e ética jornalística. Ao serem nomeados oficialmente, os policiais mortos são imediatamente reconhecidos como vítimas pelo Estado, o que garante às suas famílias acesso rápido a pensões, indenizações e assistência jurídica — benefícios que são negados às famílias dos mortos não identificados. Os problemas éticos, legais e políticos de chamar mortos anônimos de 'bandidos' A presunção de culpa sem julgamento Quando uma pessoa é chamada de bandido  após uma operação, está se atribuindo culpa sem processo legal. Mas no Estado de Direito, ninguém deve ser considerado culpado até se provar o contrário. Em muitas dessas operações, as mortes ocorrem sem que haja prisão, investigação ou julgamento — logo, é impossível afirmar quem eram de fato os mortos. O apagamento da humanidade dos mortos Reduzir dezenas de pessoas a bandidos é uma forma de desumanização. Os mortos deixam de ser reconhecidos como cidadãos, pais, filhos, irmãos ou moradores de comunidades, e passam a ser uma categoria abstrata e descartável. Isso facilita a aceitação social da violência policial e o silêncio sobre execuções sumárias. O reforço de desigualdades sociais e raciais Na prática, o termo “bandido” costuma recair sobre corpos negros e pobres das periferias. Essa generalização legitima a morte seletiva de certos grupos sociais. Ou seja, a palavra não é neutra, ela faz parte de uma estrutura de poder que naturaliza a violência do Estado sobre determinados territórios. A transparência e a responsabilização prejudicada Enquanto as autoridades chamam os mortos de “criminosos,” raramente há investigação independente. Isso bloqueia a busca por responsabilidade policial, impede a identificação das vítimas e infringe leis internacionais de direitos humanos. A opinião pública moldada A linguagem molda a percepção social. Quando a imprensa ou o Estado usa “bandidos” para descrever apenas um lado dos agentes de violência urbana, o público tende a aceitar massacres como operações legítimas, mesmo sem provas ou contexto. Isso cria uma narrativa de guerra, em que certos cidadãos são tratados como inimigos do povo. Segundo normas internacionais de direitos humanos, às quais o Brasil está juridicamente vinculado ,  toda morte ocorrida em operações de segurança deve ser registrada, investigada e acompanhada de identificação completa das vítimas. Essa obrigação consta no Protocolo de Minnesota da ONU (2016) , nos Princípios Básicos da ONU sobre Uso da Força (1990)  e na Convenção Americana de Direitos Humanos (OEA) . Esses documentos determinam que, em qualquer operação estatal, é ilegal classificar pessoas mortas como “não identificadas” sem investigação formal e sem notificação às famílias. Para o direito internacional, cabe ao Estado garantir transparência. Até o fechamento desta nota, a operação no Rio não cumpre esses requisitos. Não há boletim público nominal das vítimas, nem relatório oficial de circunstâncias das mortes, o que pode se qualificar como descumprimento de tratados assinados e possível configuração de execução extrajudicial, caso não haja investigação independente. ____ Corpos na Praça Dia 29 de outubro de 2025 Moradores do Complexo da Penha resgataram pelo menos 50 corpos da Serra da Misericórdia na madrugada do dia 29 de outubro, e os colocaram na Praça São Lucas. Lá, familiares tentaram reconhecer seus entes antes do IML os recolher. Quando moradores são forçados a resgatar corpos por conta própria, os empilhar numa praça pública e improvisar uma espécie de identificação coletiva antes da chegada do Estado, há evidência de que o Estado produz morte para manter dominação. Ele não tem comprometimento com a vida da população que considera paralela e inimiga, agindo com brutalidade para 'reconquistar território.' O Estado busca 'reconquistar território' e negar direitos a quem vive nas margens não porque esses territórios sejam uma ameaça à sociedade, mas porque eles representam uma ameaça ao modelo de poder e controle sobre a sociedade. Guerra como método de disciplina social Cada operação cumpre uma função estratégica de: – Impedir a mobilização coletiva, reprimindo lideranças comunitárias e criminalizando qualquer organização autônoma; – Fragmentar redes de solidariedade, produzindo desconfiança e sabotando iniciativas coletivas; – Instalar trauma e medo, usando o terror como método para paralisar a ação política; – E legitimar a ocupação policial permanente, transformando as periferias em zonas de exceção onde direitos são suspensos e a presença militar é normalizada. Essa engrenagem mantém territórios pobres e racializados sob vigilância e submissão, inviabilizando resistência social e assegurando a continuidade do interesse econômico e político que depende dessa estrutura de opressão. As instituições governamentais criam condições para a extração econômica e o controle político dessas populações, ao neutralizar conflitos de classe e proteger a circulação do capital. O que aconteceu no Complexo da Penha nessa madrugada vai além de uma tragédia humanitária. É uma declaração do real interesse das instituições governamentais, que atuam não para proteger vidas, mas para administrar a morte e lucrar ao negar direitos a quem vive nas margens. ____ Escrito por Mirna Wabi-Sabi Fotografado por Fabio Teixeira ____ [Nota editorial: Número de vítimas atualizado.]

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  • P9 | MATA | Mini-antologias

    MATA – mini antologias de bolso – P9 Artigos de analise politica, livro de bolso, antologia de teoria política. 2021 2023 2024 Visualização rápida MATA dos minilagos Preço R$ 39,00 Adicionar ao carrinho Visualização rápida Só na FLIPEI MATA bolsonarismo Preço R$ 39,00 Adicionar ao carrinho Visualização rápida MATA bolsonarismo [digital] Preço normal R$ 9,00 Preço promocional R$ 6,00 Adicionar ao carrinho Visualização rápida MATA das bruxas Preço normal R$ 38,00 Preço promocional R$ 29,00 Adicionar ao carrinho Visualização rápida MATA das bruxas [digital] Preço normal R$ 9,00 Preço promocional R$ 6,00 Adicionar ao carrinho

  • Página de erro 404 | P9

    Bilingual editing and advisory. Assessoria bilíngue de edição. Erro Não há nada aqui. A página que você procura não foi encontrada. Verifique o URL ou volte para a Página Inicial. Ir para a Página Inicial

  • P9 | Política ◣ Policy

    A Plataforma9 publica sobre estratégias de combate às injustiças sociais e econômicas, à supremacia branca e ao patriarcado. A missão da P9 é utilizar a narrativa para desencadear movimentos construtivos em nosso mundo conturbado. Nossas Políticas ◣ Our Policies Nossos Princípios ◣ Our Principles Nossos interesses orbitam estratégias de combate às injustiças sociais e econômicas, à supremacia branca e ao patriarcado. Através da disseminação da produção intelectual de pessoas marginalizadas, e da formação midiática necessária para a criação de conteúdo, acreditamos que mudanças essenciais podem ser alcançadas na sociedade. ___________ Our interests orbit strategies to combat social and economic injustices, white supremacy and the patriarchy. Through the dissemination of the intellectual production of marginalized peoples, and the media production training necessary for the creation of content, we believe that essential changes can be achieved in society. Privacidade & Segurança ◣ Privacy & Safety A Plataforma9 não cede ou vende dados pessoais de clientes, ou parceiros, a outras companhias, indivíduos ou corporações. Você pode sempre entrar em contato conosco com um pedido de acesso, edição ou remoção de seus dados pessoais da nossa plataforma. Informações compartilhadas nas mídias sociais podem ser usadas para identificar uma audiência com interesses compatíveis com os nossos. ___________ Plataforma9 does not give or sell the personal data of our clients or partners to any other company, individual or corporation. You can always contact us with a request to access, edit, or remove your personal data from our platform. Information shared on social media can be used to identify an audience with interests compatible with ours. Revendas e Atacado ◣ Wholesale Inquiries Entre em contato conosco para saber mais sobre opções de compra em grande escala e revendas. ___________ Get in touch with us to know more about our wholesale options. Payment Method Métodos de Pagamento ◣ Payment Methods Boleto / Cartões de crédito e débito brasileiros / PayPal Internacional / PIX ___________ PayPal / Only Brazilian Credit or Debit Cards

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