Por que o clássico 'A Revolução de uma Palha' do Fukuoka nunca foi publicado no Brasil? Até agora...
- Mirna Wabi-Sabi
- há 3 dias
- 3 min de leitura
Durante décadas, A Revolução de uma Palha (1975), um livro do microbiologista e agricultor japonês Masanobu Fukuoka, circulou no Brasil de forma extraoficial. A edição de Portugal, de uma editora que não existe mais chamada Via Óptima, se tornou a principal referência entre agroecologistas, permacultores, agricultores familiares, estudantes e leitores interessados em ecologia. Porém, a agência literária que representa a família de Fukuoka não reconhece essa edição portuguesa como legítima ou oficial.
Em 2026, isso finalmente muda. Estamos preparando a primeira edição brasileira do livro que volta às raízes filosóficas e ao sentido que Fukuoka deu à ideia de agricultura natural.

Quando “Natural” Virou “Selvagem”
A edição portuguesa, que circula no Brasil em PDF até hoje, foi traduzida da edição francesa dos anos 80, publicada por Guy Trédaniel. Essa versão traduziu 自然農法, termo criado por Fukuoka, como agriculture sauvage (agricultura selvagem). E a edição portuguesa seguiu essa escolha.
Fukuoka talvez rejeitasse essa perspectiva, às vezes descrevendo seu método como ‘semi-selvagem,’ mas sempre afirmando que o processo depende do entendimento do que é a natureza sem domesticação, para podermos saber quais ações devem ou não ser tomadas. Ele aprendeu isso cedo, dizendo que:
“O problema, veja bem, era que eu não estava praticando agricultura natural, mas sim o que se poderia chamar de agricultura preguiçosa! (...) Aquelas árvores jovens tinham sido domesticadas, plantadas, podadas e cuidadas por seres humanos. As árvores tinham sido escravizadas pelos humanos, então não conseguiram sobreviver quando o suporte artificial fornecido pelos agricultores foi repentinamente removido.” (A Revolução de uma Palha)
“O verdadeiro caminho para a agricultura natural exige que a pessoa saiba o que é a natureza inalterada, para que ela possa entender instintivamente o que precisa ser feito — e o que não deve ser feito — para trabalhar em harmonia com seus processos.” (Entrevista com o menino do arado: Masanobu Fukuoka)
Ou seja, para Fukuoka, ‘natural’ era diferente de ‘sem cuidados.’ A harmonia não é alcançada com negligência.
Qual é o problema com “Selvagem”?
A palavra 自然 (shizen) em japonês traz um sentido filosófico ligado ao zen e ao taoismo. O fluxo autêntico da vida em equilíbrio decorre de enxergar a negociação entre Natureza e Sociedade não como um paradoxo ou contradição, mas como “um estado de espírito mais elevado. (…) As duas categorias são definidas como opostas, mas são necessárias uma à outra.”
Já sauvage/selvagem carrega um legado colonial baseado na oposição entre civilizado e primitivo — um imaginário historicamente usado para julgar povos e culturas fora da Europa. Embora selvagem e primitivo possam ser ressignificados, a filosofia de Fukuoka não propõe uma agricultura que simplesmente nasce, cresce e vive sem cuidados especiais, nem rejeita os aprendizados da ciência moderna. Assim, traduzir shizen como “selvagem” revela a perspectiva cultural e epistemológica de seus tradutores, uma visão de mundo europeia que tem dificuldade em perceber os processos Naturais atravessando e integrando o processo Humano.

Essa Nova Edição
Nossa edição brasileira tem alguns compromissos fundamentais:
Português brasileiro.
Tradução baseada no inglês de Larry Korn, discípulo e tradutor oficial de Fukuoka.
Reconhecimento da agência japonesa que representa a família do autor.
Essa nova edição é uma responsabilidade ética com a obra de um dos pensadores ecológicos mais importantes do século XX.
Por que Publicar Isso Agora?
Porque Fukuoka é urgente.
Enquanto o mundo discute transição ecológica, soberania alimentar, colapso climático e tecnologias rurais dependentes de petróleo, Fukuoka permanece um farol que nos lembra:
Não existe agricultura saudável sem humildade diante da natureza. Não existe regeneração sem simplicidade. Não existe futuro sem solo vivo.
💡 Nos próximos meses, vamos compartilhar:
Trechos inéditos da nova tradução.
Traduções de entrevistas com Fukuoka.
Novidades sobre a publicação e seu lançamento.
Se você quer acompanhar esse processo e apoiar o projeto: inscreva-se no boletim e compartilhe. Vamos devolver Fukuoka ao Brasil com o respeito que ele merece.
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