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- A determinação silenciosa das tartarugas
Texto por Mirna Wabi-Sabi, fotos por Fabio Teixeira Tartarugas são criaturas majestosas. Por diversos motivos, elas se tornaram ícones da longevidade. Primeiramente, elas sobreviveram o evento que causou a extinção em massa dos dinossauros. Hoje, elas podem viver por mais de um século. Podem viver, não – deveriam poder viver. A civilização humana está essencialmente por trás de tudo que as ameaça. Poluição de diversos tipos, empreendimentos imobiliários, tráfego marítimo, pesca industrial, elevação do nível do mar e eventos climáticos extremos causados pelo aquecimento global, perda de habitat, erosão de solos praianos e o dano inimaginável dos vazamentos de petróleo nos oceanos parecem ser mais avassaladores do que um cometa ou asteroide gigantesco atirado contra a Terra. Durante milhares de anos, civilizações humanas em todos os continentes têm adorado a figura da tartaruga. Mais de 35 mil anos atrás ela já era venerada no cerne da Ásia Ocidental (o Levante), sendo considerada o símbolo religioso mais antigo em uma das sociedades mais antigas da nossa história. E até mero meio século atrás, a América do Norte era conhecida como a Ilha da Tartaruga por povos indígenas locais. A deterioração da mitologia, lenda e folclore centrados em entidades da natureza é recente, mas perdem espaço ferozmente para os que centram as grandes indústrias e empreendimentos globais. O paradigma cultural que surge com a industrialização não parece se preocupar com a longevidade humana ou mais-que-humana, e isso não pode permanecer realidade. Na praia de Itaipu, em Niterói–RJ, o projeto Aruanã há 15 anos monitora tartarugas marinhas no entorno da Baía de Guanabara. Para as biólogas, colaboradores, voluntários e apoiadores deste projeto, está claro que a prosperidade das tartarugas é inseparável da prosperidade humana. Esse animal exerce um papel amplo no equilíbrio do ecossistema natural desse planeta, do qual nós fazemos parte e dependemos para sobreviver. Ou seja, o declínio da tartaruga como espécie desencadeia uma sequência de danos nos ecossistemas marinhos, que por sua vez prejudicam a nossa subsistência. Diversas coisas podem ser feitas para proteger as tartarugas além de denunciar e demandar que grandes indústrias parem de poluir e destruir o habitat delas. Para indivíduos como nós, sem posições de total poder de decisão em multinacionais e corporações, é possível reduzir o consumo de plástico, e quando há consumo dele, reciclar, para garantir que esse resíduo não acabe nos oceanos. A sede do projeto Aruanã em Itaipu recebe embalagens descartáveis limpas de plástico reciclável e esponjas usadas para garantir que o destino desses resíduos não cause danos futuros nos oceanos. Uma iniciativa ainda mais simples e acessível para a população geral é o que o Aruanã chama de “Ciência Cidadã.” Ao observar uma tartaruga em algum lugar, viva ou morta, você pode tirar uma foto e enviar para eles com local, data e horário. Com esses dados, a equipe da organização monitora o ciclo de vida dessas criaturas, assim identificando desafios e obstáculos que elas enfrentam para completar esse ciclo. Esse ano, o Aruanã renovou seu contrato de financiamento com o Programa Petrobras Socioambiental, e poderá dar início a um novo projeto – o de rastreamento de tartarugas marinhas por satélite (Telemetria Satelital). Com essa tecnologia, será possível acompanhar os padrões migratórios de diversas tartarugas com precisão e eficácia. Para as biólogas do projeto, é sempre emocionante quando uma tartaruga é encontrada novamente, anos depois, numa região distante de onde ela foi primeiramente registrada. Não só porque as chances são pequenas de as encontrar nos vastos oceanos, mas também porque é gratificante ver e registrar evidência de sua prosperidade. Hoje, a identificação de tartarugas pode ser feita pelo número em suas tags , ou pelo desenho das escamas em suas cabeças, que exercem a função de impressões digitais. Com Telemetria Satelital, dados preciosos podem ser coletados sobre locais e temperaturas preferidas das tartarugas, e como essas regiões interagem com o comportamento humano. Para a tartaruga-verde, por exemplo, que conforme o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade “é a única espécie que se reproduz nas ilhas oceânicas brasileiras,” evidências científicas irrefutáveis podem ser registradas sobre elas. Essas evidências podem, por sua vez, ser usadas para “ facilitar o estabelecimento de acordos multinacionais para a conservação.” Sabemos que alcançar acordos, como os que serão discutidos na COP30 em Belém, e garantir que eles sejam cumpridos no nível institucional e global são desafios esmagadores, por isso cumprir acordos entre nós mesmos e nossas comunidades é um primeiro passo alcançável. Os oceanos não se submetem ao desejo das indústrias, ou das restrições de fronteiras estatais. O que acontece neles é responsabilidade de toda a humanidade. Como membros dessa humanidade, temos o poder ajudar a forjá-la. Enfrentar ameaças antropogênicas aos locais cruciais no ciclo de vida de animais como a tartaruga não só é salubre para a humanidade, é também fundamental para não desencadearmos nosso próprio evento de extinção em massa. O projeto Aruanã faz um trabalho detalhado de coleta e sistematização de dados, desenvolvimento de pesquisas acadêmicas na área de biologia marinha e sustentabilidade, e também de engajar a população local no que eles chamam de “preocupação ambiental relacionada ao ambiente marinho.” Se ‘preocupar’ nada mais é do que fomentar uma narrativa coletiva, comunitária, que visa estimular a prosperidade da flora e fauna no nosso canto do planeta, também porque somos parte dessa fauna. Os avanços tecnológicos e econômicos que testemunhamos nesse último século não precisam se tornar apenas uma fonte de aniquilação ambiental, onde o consumo e descarte só aumentam infinitamente, sem visão de impactos no longo termo. Se a tartaruga nos ensina algo, é que a longevidade é alcançada em pequenos passos decisivos. E todos os dias fazemos escolhas impactantes. Os “Objetivos do Desenvolvimento Sustentável” (ODS) da ONU, especialmente o ODS 14 – “Vida na Água” –, reforçam a urgência de conservarmos e engajarmos com os oceanos de forma sustentável ao longo termo. A proteção das tartarugas marinhas se insere nesse esforço global, nos lembrando que não há futuro possível para os humanos sem o bem-estar ecológico. Projetos como o Aruanã demonstram que, mesmo diante de desafios globais avassaladores, ações locais e cotidianas são fundamentais e eficazes. A tartaruga simboliza a necessidade de desacelerar o consumo, refletir e agir com responsabilidade, sem perder de vista que a mudança é feita, sobretudo, por aqueles que insistem em trilhar o caminho da preservação da natureza. Ao proteger as tartarugas, estamos, na verdade, defendendo a possibilidade de um futuro saudável para todos, onde a natureza possa existir em equilíbrio. Que a humanidade se inspire a seguir a mesma determinação silenciosa das tartarugas, rumo a um planeta mais saudável e digno. Fotos tiradas dia 20 de maio, 2025, na praia de Itaipu, Niterói-RJ, por Fabio Teixeira, do Projeto Aruanã . Fotos tiradas dia 15 de maio, 2025, na Praia da Ilha do Governador, por Fabio Teixeira, do grupo Orla Sem Lixo . Fotos tiradas dia 21 de abril, 2025, na Praia da Ilha do Governador, por Fabio Teixeira, da ecobarreira no canal do cunha .
- Guerra e abuso contra populações vulneráveis
As Forças Armadas em guerra contra o povo. AS FORÇAS ARMADAS A guerra não é a mesma que era no século passado. Ela evoluiu para formas híbridas , e encontrou novas maneiras de silenciar a má conduta, e fatos em geral. Podemos não ver as armas ou os soldados, mas todos os aspectos de nossas vidas são afetados pela função que essas pessoas exercem. Toda vez que viajamos ou compramos comida importada; na verdade, sempre que nos identificamos como tendo uma nacionalidade, é por causa deles. Instituições militares de defesa são a razão pela qual Estados e Governos existem , porque as fronteiras importam, porque falamos uma certa língua, e porque não podemos simplesmente botar uma barraca na praia. Mesmo assim, a presença militar pode se tornar ainda mais proeminente no cotidiano e durante tempos supostamente pacíficos. A possibilidade de um regime militar no Brasil tem flutuado em conversas desde antes da presidência de Bolsonaro. Ele notoriamente defende o regime militar, foi um oficial durante a ditadura, e disse que não aceitaria o resultado da eleição presidencial se não vencesse – Recentemente admitindo em entrevista que cogitou intervenção militar em 2022. Em seus 27 anos de congresso, o Rio de Janeiro foi alvo de 36 operações das Forças Armadas (FA). A primeira no Rio, em 92, também foi a primeira do país. Os casos em que as FA são usadas para controlar a população brasileira são chamadas de GLO’s, “Garantia da Lei e da Ordem.” Do total direcionado à 'violência urbana,' 43% aconteceram no Rio. Enquanto a maioria dos outros estados tiveram 0, sete estados tiveram 1, e três tiveram 2 – O Rio teve 10 (sem contar 1 operação que teve 15 fases). Agora que ele foi presidente, ficamos atentos com a hiper militarização do Rio se espalhando pelo Brasil. A presença militar no âmbito civil traz algumas implicações previsíveis para a segurança pública e a "lei e ordem." Os militares são empregados como forças policiais, a percepção pública sobre o crime sofre uma mudança drástica, e a privatização dos presídios torna tudo extremamente lucrativo. MISOGINIA As mulheres foram introduzidas nas FA apenas recentemente . Houve pressão para que isso acontecesse durante a presidência de Dilma, já que ainda não havia mulheres de alto escalão na área. Quando Dilma sofreu impeachment, em 2016, a esposa do homem que a substituiu foi elogiada por ser “ bela, recatada e do lar. ” Esses são métodos midiáticos passivos-agressivos de manter as mulheres no âmbito doméstico (e, neste caso, fora do 'mais alto cargo' do país), mas também existem métodos mais agressivos, visíveis nas figuras consistentemente alarmantes de crimes de ódio contra mulheres e pessoas LGBTQIA+ . Incluir mulheres nas Forças Armadas pode não resolver o problema do sexismo, mas pode provocar mudanças rápidas e significativas na vida de mulheres marginalizadas que inevitavelmente interagem com as FA, além de impactar a cultura interna da instituição. A desmilitarização da assistência humanitária e dos recursos de saúde deve ser o próximo passo. Para assegurar os efeitos duradouros dos esforços de saúde pública, é essencial acabar com a situação de desabrigo, garantindo moradia estável e acesso a água encanada para todos. A primeira solução é apenas mais rápida porque já foi discutida por algumas décadas, e a mudança mesmo assim acontece lentamente. Enquanto as outras soluções infelizmente não são comumente consideradas no discurso público. Em 2011, foi publicado um estudo sobre a inserção de mulheres na Marinha. Esta é a opinião de um oficial sobre como esta mudança tem sido: – Relato na página 90 de um artigo de 2011 chamado “ Políticas Públicas de Gênero: A inclusão das mulheres na Marinha do Brasil como militares. ” Foi difícil escolher uma citação para analisar; este artigo está repleto de comentários machistas velados como não-sexistas porque são apresentados como elogios ou como simples fatos. Por exemplo, as mulheres trouxeram “uma maior importância a arrumação e a limpeza” para o ambiente de trabalho (p. 91), como se uma grande coisa que as elas tivessem a oferecer fosse sua inclinação para o cuidado doméstico. Essa atitude ignora completamente a conjuntura sócio-política que levou as mulheres a verem as tarefas domésticas como sua responsabilidade (muitas vezes não remunerada), enquanto o homem sai para fazer o trabalho real (pago e relevante). Elas fazem tudo com mais “docilidade” e “carinho” (p. 89), são mais estudiosas e caprichadas, não podem ouvir palavrão, e homens devem evitar ter conversas de “muito baixo calão” perto delas. Além de acharem a presença de mulheres de maiô “constrangedora” durante a educação física. Mulheres oficiais e praças são especificadas como “mulheres,” enquanto “homem” é omitido e implícito. Isso grifa o masculinismo como se fosse tradicional. Ele especifica a masculinidade apenas quando descreve o sexo como algo que os 'homens' procuram. Dessa forma, tratando o sexo como algo que os homens querem das mulheres, simbólico da cultura do estupro. “Extraconjugal” e “lá fora” são termos alarmantes que exigem uma pesquisa urgente e detalhada sobre como esses homens tratam as mulheres locais nas regiões onde se instalam para trabalhar. Se a cultura do estupro emana de uma linguagem que é considerada tradicional, não podemos ignorar como ela revela uma atitude que pode se materializar a qualquer momento. Infelizmente, não há figuras ou dados referentes a má conduta sexual por parte de soldados e oficiais, apenas incontáveis histórias de maridos traindo suas esposas. FALTA DE DADOS Há falta de dados sobre agressão sexual, assédio e outros ataques morais de gênero cometidos por membros das FA. Em um relatório de uma reunião da Comissão de Gênero do Ministério da Defesa ( CGMD ) em abril de 2015, uma representante da Secretaria de Pessoal, Ensino, Saúde e Desporto afirma que não há registro formal de casos de agressão porque o “'sistema' tende a abafar fatos ocorridos.” Logo em seguida, um representante da Secretaria de Organização Institucional expressa preocupação com o objetivo dessa pesquisa de dados. Ele afirma já ter feito a pesquisa, encontrando um número insignificante de casos, alguns dos quais incluem homens como vítimas. Portanto, sua preocupação é com a tendência ao “denuncismo,” simplesmente ignorando comentários de mais de uma pessoa dizendo que não há figuras sobre o tópico (e nenhuma outra explicação clara do motivo para isso). Este ano, uma advogada naval me explicou que esses números não existem porque são considerados informações pessoais processadas pelos tribunais; dentro das FA, apenas o pessoal de Inteligência tem esses relatórios. Em outras palavras, relatórios e números existem, mas em sigilo . Nesse tópico, o diálogo público é formal, estéril e falso, especialmente quando admite que essas reuniões são uma resposta à pressão diplomática para alcançar padrões internacionais de igualdade de gênero. O comunicado de encerramento de um ministro descreveu a Suécia negando acordos diplomáticos com a Arábia Saudita e a Liga Árabe por causa dessa questão. Ou seja, não se deve prejudicar as relações diplomáticas com países ocidentais por atrasos nessa questão, e a islamofobia é um véu conveniente para o machismo. A mesma reunião gerou um debate sobre o uso da palavra “equidade,” já que alguns temiam que isso pudesse ser interpretado literalmente; como a expectativa de 50/50 na participação de homens e mulheres nas FA. Isso seria tão ruim? Para eles, sim, porque isso significaria substituir a meritocracia por algum tipo de cota. Como se as mulheres tivessem a opção de entrar nas FA, já que não há concursos o suficiente disponíveis. E quando tem, como se elas tivessem a motivação pessoal de serem moldadas a um ambiente violentamente masculino, onde nem mesmo as instalações são projetadas para acomodá-las . A CGMD ainda garante que os espaços femininos sejam concedidos apenas dentro de um sistema meritocrático ( 2017 ). O que isso significa não é que as mulheres possam entrar quando são qualificadas e valiosas, mas sim quando elas efetivamente alcançam os padrões já existentes (masculinos) que foram estabelecidos pelas instituições militares há 200 anos. A meritocracia nada mais é do que uma desculpa para marginalizar, nesse caso, mulheres. Nos registros de reuniões de 2014 já se revelam confrontos entre “conversas sobre mulheres” versus “conversas com mulheres.” Um coronel anunciou o workshop Proteção das Mulheres nas Operações de Manutenção da Paz da ONU , sobre como proteger uma população feminina local durante missões de “paz.” No entanto, não havia mais vagas disponíveis para membros da CGMD, o que levou uma mulher, membro da Escola Superior de Guerra a estabelecer a porcentagem embaraçosamente baixa de mulheres na instituição educacional (18%). Geralmente, esses baixos percentuais são atribuídos ao fato de que as mulheres só se inscrevem para o Exército voluntariamente, enquanto para os homens brasileiros, a inscrição é obrigatória. Todas as carreiras do Exército são voluntárias; os homens não têm obrigação de servir mais do que 1 ano, e esses 9-12 meses serem obrigatórios para os homens apenas garante a predominância masculina na área. COLONIALISMO “As mulheres ribeirinhas são oportunistas, e vão atrás da pensão. Então use camisinha e não a deixe em qualquer lugar – dê descarga.” Um oficial da Marinha me relatou este conselho dado aos recém-chegados nos 9º, 6º e 4º distritos navais – Sobre descartar evidências de má conduta sexual enquanto a trabalho no norte do país. Esse oficial também me disse que viu colegas de trabalho gastarem mais de 20 mil reais em um fim de semana “fazendo festa” com mulheres locais. Alguns vivem vidas extravagantes em áreas carentes e gostam de chamar atenção por ter dinheiro. Esses distritos incluem a população mais vulnerável do país e também com o maior número de pessoas indígenas; inclui os estados Amazonas e Pará, onde o rio Amazonas se encontra com o oceano. Lá, as populações Ribeirinhas são consideradas indígenas ou quilombolas. Principais quartéis-generais e bases da Marinha do Brasil (Wiki-Commons Rússia) A Marinha, como uma instituição criada em um período explicitamente colonial, ainda hoje legitima que homens explorem sexualmente mulheres 'não-brancas,' indígenas e da diáspora africana. Mesmo se uma agressão sexual fosse denunciada, o que é raro, nem o agressor nem as autoridades responsáveis conseguem interpretá-la de uma perspectiva que não fosse tradicionalmente patriarcal e colonial. “É um conselho que mostra a normalização do abuso sexual, muitas vezes no uso do poder sobre as mais vulneráveis. A desumanização dessas mulheres em descrevê-las como oportunistas desconsidera como suas condições de vida foram profundamente moldadas pela exploração contínua.” – Jördis Spengler, socióloga. O workshop “Proteção das Mulheres em Operações de Paz da ONU” de 2014 parece não ter sido frutífero até agora. Essas reuniões, grupos ou siglas institucionais fizeram avanços significativos no bem-estar das mulheres neste século, ou elas existem apenas como uma fachada das Relações Internacionais exibida para o Ocidente? PREPOTÊNCIA A Cartilha Maria da Penha descreve um aspecto relevante de um agressor como “prepotência.” Membros das FA tendem a ser atraídos pelo cargo exatamente pelo poder e influência que ele oferece. Isso se dá não apenas devido à artilharia pesada intimidadora, mas também no sentido de reputação, dinheiro, e acesso a espaços exclusivos e imponentes. No Brasil, as FA não garantem apenas a soberania do Estado, elas são usadas para controlar a mesma população que se propõe proteger. Uma parte significativa da polícia já é militarizada, mas também contamos com as Forças Armadas para fazer o trabalho em ocasiões especiais, as GLO’s. Em muitos casos, essas operações visam prevenir a população de acessar terras e recursos; de ocupar certos espaços. GLO’s são usadas contra a população nas favelas, comunidades indígenas, quilombos e protestos. A soberania da favela e sua população; O acesso dos povos indígenas e quilombolas a florestas, manguezais, rios e outras fontes de sustento espiritual, cultural e prático; A manifestação de opiniões e frustrações por meio de protestos urbanos; Esses são conceitos considerados ameaças ao Estado e justifica declarar guerra contra brasileiros(as). O artigo 331 do código penal garante o direito dessas autoridades de criminalizar o desacato. Como o desacato é um conceito abstrato, é fácil para policiais e soldados prenderem quem os antagoniza de alguma forma. Não obedecer às ordens significa um ataque contra o “funcionamento” do Estado, resultando em até 2 anos de detenção. A não ser que o caso tenha motivações políticas, o que pode ser classificado como terrorismo. São eles que detêm o maior poder e influência — a própria definição de prepotência. Apesar de isso não constituir prova de um crime, revela a urgente necessidade de conscientização de gênero para os integrantes das instituições de defesa. Além disso, reflete uma cultura presente nas Forças Armadas, e alterar essa norma é um desafio considerável em meio a tanta rigidez. O Centro de Estudos Estratégicos de Defesa (CEED), uma iniciativa multinacional um tanto independente, começou a realizar uma pesquisa sobre mulheres no setor de defesa na América Latina por volta de 2015. Hoje ainda não está claro qual foi o resultado e a disposição do Ministério da Defesa do Brasil de participar. Talvez as questões da pesquisa já implorassem por significantes mudanças. A seção 5 do formulário, dedicada ao Ambiente de Trabalho, pergunta sobre a existência de um escritório dedicado ao bem-estar das mulheres, apoio a vítimas de violência doméstica, registro de casos de assédio e programas de educação sexual. Dos oficiais que conheci, nenhum está ciente da existência desses programas, desta pesquisa, ou se quer foram expostos ao tópico em geral. Nos últimos 6 anos , o site do CEED deixou de existir. DESPEJO O que acontece depois do despejo de uma comunidade favelada? O entorno da comunidade Sem Terra do Parque União no complexo da Maré lida com instabilidade e despejos desde os anos 80. Apesar da área ter sido aterrada e loteada com o intuito de fornecer moradia acessível para comunidades vulneráveis, a vulnerabilidade persiste. Os despejos e demolições de construções irregulares tem qual objetivo? E o que acontece depois que famílias são despejadas? Para o despejo mais recente, de 2024, o motivo dado pelas autoridades e reproduzido pela mídia é que os prédios auxiliavam o tráfico de drogas na lavagem de dinheiro, e eram de “luxo” apesar de serem irregulares no papel. Ou seja, quem estava morando ali, nas estruturas inacabadas, não eram pessoas vulneráveis, pois tinham acesso a uma piscina – portanto, supostamente pessoas coniventes com ou do tráfico. Essa narrativa é criada para justificar a utilização do Exército Brasileiro contra a própria população do país, já que, para eles, trata-se de Crime Organizado e não de cidadãos brasileiros vulneráveis que merecem direitos básicos como moradia e saúde. Meio ano depois, muitas das 40 famílias desabrigadas continuam sem ter para onde ir, nas ruas da própria comunidade. Afundados em indignidade e obviamente sem acesso aos luxos supostamente disponibilizados pelo Crime Organizado, as brigas irrompem entre si, enfraquecendo o potencial para um movimento de resistência organizado. É impossível se organizar contra a narrativa construída pelas autoridades para justificar a marginalização quando essa marginalização é tanta que nem a sobrevivência no dia a dia é garantida. Poucos metros da comunidade Sem Terra, o Núcleo de Apoio as Operações Especiais , uma base militar, se instalou para dar suporte a operações de segurança, monitoramento e combate ao tráfico de drogas na região. A presença da base militar, com a promessa de proteção e ordem, acaba sendo mais uma fonte de tensão para os moradores da área. Muitas vezes, a violência policial se intensifica, com operações que resultam em ações indiscriminadas e a violência estrutural que perpetua a marginalização dos residentes. A narrativa de segurança pública, associada ao combate ao tráfico de drogas, se sobrepõe à realidade de uma população que está buscando apenas um meio de vida digno, longe da criminalização e da violência. A falta de políticas públicas efetivas de moradia e saúde para a população mais pobre cria um ciclo vicioso, onde o despejo e a violência se tornam o cotidiano. E quando as pessoas são forçadas a sair de suas casas, muitas vezes, sem qualquer tipo de suporte, elas se veem em uma luta constante pela sobrevivência. Com a desagregação das comunidades e a falta de uma rede de apoio, a resistência se torna cada vez mais difícil. O Estado, ao invés de atuar como um facilitador da inclusão social, se posiciona como um agente de controle e repressão, intensificando a desigualdade já existente. O despejo da comunidade Sem Terra do Parque União não é um caso isolado. Ele faz parte de um ciclo contínuo de remoções forçadas, que acabam por destruir as bases de solidariedade que, muitas vezes, são a única forma de resistência que os moradores possuem. O movimento de resistência, em vez de crescer, se fragmenta em meio ao caos social imposto pela ausência de políticas públicas efetivas. Diante disso, é necessário que a sociedade olhe para essas questões de forma crítica, reconhecendo que a verdadeira segurança e inclusão não se encontram na repressão, mas em ações concretas de acesso à moradia digna e saúde. Só assim, comunidades poderão se reorganizar e lutar por seus direitos de maneira efetiva, sem serem constantemente despojadas de tudo o que têm, inclusive da integridade de seus próprios corpos. CONCLUSÃO Não podemos aguardar um consenso unânime sobre o Patriarcado e o Estado serem problemáticos antes de começarmos a aplicar soluções. Sempre houve e continuará a haver uma resistência significativa à mudança. O enfraquecimento das estruturas hegemônicas parece assustador para aqueles que não conseguem conceber suas vidas ou o mundo sem elas. Isso se resume a uma completa falta de criatividade e a um privilégio suficiente para que uma série de desculpas nos mantenha em um caminho destrutivo. Perder a crença na meritocracia pode transformar a sociedade em uma onde a palavra “marginalizado(a)” não carregue um significado negativo. A perda do direito dos homens de perpetuar linguagem e comportamento misóginos resulta das mulheres conquistando espaço . Isso pode se refletir em mudanças significativas na atitude militar em relação às mulheres em áreas vulneráveis. Eu sinceramente não pensava em chegar a outra conclusão além de fortalecer minha oposição à ideia de alguém ingressar nas Forças Armadas . No entanto, será que as mulheres precisam de mais pessoas ditando o que elas devem ou não devem fazer? Talvez esta seja uma situação parecida com a do casamento gay; primeiro, precisamos legalizá-lo para a comunidade LGBTQIA+ antes de podermos questionar a instituição como um todo. O direito deles de serem ofensivos e “tradicionalmente masculinos” não é mais importante do que o nosso direito de ser independente, de não ser assediada, humilhada, assassinada, estuprada, comprada, e tudo que não queremos ser. Apenas a partir daí, podemos começar a nos tornar tudo o que queremos ser. __________________ texto: Mirna Wabi-Sabi Baseado em uma pesquisa publicada originalmente em 2019.
- Bolsonaristas não apoiam Israel por respeito aos judeus e sim por desprezo aos árabes
Há anos vemos Bolsonaro e seus apoiadores abanando bandeiras israelenses e estadunidenses, clamando pela vitória deles na aniquilação que continuam a incendiar na Palestina. Esse fenômeno já foi explicado teologicamente por muitos, com base nos ensinamentos bíblicos evangélicos. Mas essa explicação é insuficiente. Acreditar numa revelação sobre o retorno de Jesus, o julgamento das nações, e a chegada do “fim” não é nada em frente ao desdém emitido em direção ao mundo árabe pelo ocidente cristão. Ato bolsonarista em Copacabana - 21 de abril 2024 - Fotos por Fabio Teixeira Não custa muito lembrar que o desprezo que o mundo cristão tem ao ‘outro’ não é apenas direcionado ao árabe. Há desprezo ao africano, chines, indiano, árabe… e ao povo judeu também. Será coerente acreditar que a criação de Israel como nação foi mesmo uma vontade de Deus? Ou um fruto desse ódio, da supremacia racial enraizada em nossa sociedade cristã? Sim, é uma questão de raça, mais do que de religião. Apoiar um povo que exibe comportamentos culturais e valores supostamente mais ‘alinhados’ com os nossos, o que na Europa chamam de propensão à ‘integração,’ é código para apoiar uma sociedade ‘superior’ em detrimento de outra, que é ‘inferior.’ Na realidade, a pressuposição dessa inferioridade, ou atraso evolucionário de certos povos, é um dos traços mais tóxicos de nossas sociedades cristãs. E esse traço é muito mais latente do que qualquer conhecimento ou entendimento teológico ou histórico das pessoas sobre qualquer coisa. Não importa que nem todos os árabes sejam muçulmanos, não importa se sabemos em qual ano estamos no calendário islâmico, não importa que tanto muçulmanos quanto judeus traçam sua linhagem de Abraão, ou que a maior nação muçulmana do mundo nem árabe é. O que importa para esse eleitorado é o avanço da dominação Europeia no mundo, porque se acredita que os europeus (e descendentes deles) são os humanos mais evoluídos. Assim vemos nos Estados Unidos, onde o ‘americano’ de verdade é o descendente europeu. No Brasil, onde o brasileiro de verdade é o de alguma descendência europeia visível. E, assim, judeus tem sido usados por eles como linha de frente na guerra de dominação Europeia em seu avanço para o oriente. Na leitura teológica sobre o apoio cristão ao estabelecimento da nação judaica em Israel, o avanço de dominação Europeia no oriente significa acelerar o retorno de Jesus e o início do fim do mundo. Nesse ponto, o povo judeu será salvo baseado em sua disposição de… deixar de ser judeu. Será que as pessoas que acreditam que o sionismo, e o que está sendo feito com a Palestina, são vontades de Deus também acreditam que a Alemanha nazista apoiou a vontade de Deus, pelo simples fato de (também) ter influenciado decisivamente o estabelecimento do estado judeu? Fobia ao islã e racismo contra os árabes são motivações praticamente unânimes em meio de diversas divergências religiosas, de interpretação de passagens bíblicas, dentro do cristianismo. É possível olhar a situação em que estamos agora e enxergar uma evolução da humanidade, em comparação com milhares de anos de história religiosa? Será que os brancos, europeus não são capazes de barbarismo? Ato bolsonarista em Copacabana - 16 de março 2025 - Fotos por Fabio Teixeira Estamos presenciando a barbárie, um legado cultural, geopolítico, e religioso de milhares de anos, sim. Mas estamos, acima de tudo, testemunhando um paradigma de desintegração de valores espirituais que deram vida a todas essas religiões em primeiro lugar. É Ramadã. Pelo mundo inteiro, muçulmanos estão observando seus valores humanos e religiosos, praticando, na medida do possível, caridade, disciplina, e honrando esse presente divino que é estar vivo graças a Allah, Alhamdulillah . Enquanto isso, a barbárie continua, se exacerba, e os bolsonaristas levantam bandeiras em completo declínio espiritual e obliteração de valores humanos. Nós de nações cristãs, que de um lado afirmamos defender valores de liberdade, justiça, penitência e perdão, testemunhamos membros de nossas comunidades se deleitando na brutalidade da chacina. Em face dessa desgraça, eu, pessoalmente, boto fé no mundo árabe, em sua integridade humana e disciplina religiosa para forjar seu caminho de resistência. وَقَـٰتِلُوهُمْ حَتَّىٰ لَا تَكُونَ فِتْنَةٌۭ وَيَكُونَ ٱلدِّينُ لِلَّهِ ۖ فَإِنِ ٱنتَهَوْا۟ فَلَا عُدْوَٰنَ إِلَّا عَلَى ٱلظَّـٰلِمِينَ ١٩٣ “E combatê-los até que não haja mais perseguição e a religião seja para Allah. Mas se eles cessarem, que então não haja agressão, exceto contra os malfeitores.193” (2:193 Alcorão) _ Mirna Wabi-Sabi, Plataforma9.
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Neste podcast, Mirna Wabi-Sabi, idealizadora e fundadora da iniciativa, conversa com pessoas colaboradoras e convidadas sobre diversos artigos e projetos da Plataforma9. PT Guest appearances
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Neste podcast, Mirna Wabi-Sabi, idealizadora e fundadora da iniciativa, conversa com pessoas colaboradoras e convidadas sobre diversos artigos e projetos da Plataforma9. EN Colaborações
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