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- Livros de bell hooks: o futuro ficará marcado por seu legado
LIVROS: É com grande tristeza que tomamos conhecimento do falecimento de uma das vozes mais influentes do feminismo — a bell hooks. bell hooks foi uma inspiração para mim como pensadora e escritora. As questões discutidas em sua conversa com Laverne Cox sobre a reprodução dos padrões de beleza patriarcais brancos, seus comentários sobre o fracasso da Beyoncé em representar as mulheres negras e sua crítica ao feminismo branco em livros como Da Margem Ao Centro sempre estiveram presentes na minha produção intelectual. Meu trabalho não teria sido o mesmo sem ela, e o futuro, se dependesse de mim, ficaria marcado para sempre por seu legado — seus livros. Recursos: FEMINIST THEORY from margin to center FEMINISM IS FOR EVERYBODY Por Mirna Wabi-Sabi
- A luta para proteger um patrimônio arqueológico e ecológico mundial
O Sambaqui Camboinhas, um dos mais antigos do país, está prestes a ser destruído pela especulação imobiliária, já existe uma placa no local como se a área — patrimônio arqueológico mundial — pertencesse à iniciativa privada. O Projeto de Lei de Uso e Ocupação do Solo pretende adensar e verticalizar a cidade de Niterói, além de permitir o avanço de construções sobre áreas frágeis, como o Morro do Gragoatá, a Lagoa de Itaipu, Sambaqui Camboinhas e o Parque Municipal de Niterói-Parnit (onde foi o canteiro de obras do Túnel Charitas-Cafubá). Uma das propostas é alterar o gabarito dos prédios para +6, isso na faixa compreendida entre as Av. Florestan Fernandes, Rua Jayme Bittencourt e Av. Beira-Mar até o limite da Faixa Marginal de Proteção (FMP) da Lagoa de Itaipu. O isso que significa? + mais gente + carros + aquecimento por fumaça + impermeabilização do solo + esgoto e isso para uma cidade que NÃO TEM ÁGUA, sem contar que o saneamento é precário, tendo o sistema Lagunar Itaipu-Piratininga como verdadeiros locais de destinação de esgoto. Uma cidade que se gaba por ter uma secretaria do clima e um prefeito ambientalista é inacreditável que a prioridade seja aprovar uma lei dessa forma (que NÃO teve debate de forma CLARA e justa com a sociedade!) Do que se resolver os problemas crônicos que são negligenciados há DÉCADAS! — Hannah, do Movimento Lagoa para Sempre Na ação do dia 5 de dezembro, também denunciamos a grave ameaça que o Patrimônio Científico, Histórico e Cultural brasileira está sofrendo. O Sambaqui Camboinhas, um dos mais antigos do país, está prestes a ser destruído pela especulação imobiliária, já existe uma placa no local como se a área — patrimônio arqueológico mundial — pertencesse à iniciativa privada. Boa parte deste riquíssimo patrimônio já foi destruída pela construção de um prédio no local, não podemos perder o que resta do Sambaqui Camboinhas, são pouquíssimos tão antigos que ainda restam no litoral brasileiro. Sambaqui Preservado, Lagoa Limpa e Para Sempre. "O Projeto de Lei de Uso e Ocupação do Solo pretende adensar e verticalizar a cidade de Niterói, além de avanço sobre áreas frágeis, como o Morro do Gragoatá, a Lagoa de Itaipu e o Parnit ali onde foi o canteiro de obras das obras do Túnel Charitas-Cafubá, com gabarito de 6 pavimentos que + cobertura e +adesão do pavimento de embasamento, virão 7 a 8 pavimentos... o que significa mais gente, mais carros, mais aquecimento por fumaça, motores, mais impermeabilização do solo, com atração e aumento de população em uma cidade que não tem água, o sanemeaneto é precário assim como as inundações são frequentes, só para citar alguns aspectos genéricos." (Cynthia do Movimento Lagoa para Sempre) Sobre a Lei A Lei estabelece normas para cada área da cidade. O Projeto chama atenção pela proposta de aumento do número de pavimentos em diferentes áreas da cidade. Só para ilustrar, ao longo da Av. Marquês do Paraná será possível construir prédios com 21+3 pavimentos; no Largo da Batalha, 9 +2; junto à lagoa de Piratininga, 10+2 e em Charitas, 15 + 2 na área em frente ao Clube Naval e 10 + 2, na área no trecho do acesso ao túnel Charitas-Cafubá. Esta proposta de verticalização é justificada com o pretenso objetivo de tornar Niterói uma cidade compacta, o que levaria a melhor aproveitar a infraestrutura disponível e ajudaria a preservar o meio ambiente. Em nenhum momento é mencionada a crise hídrica enfrentada (a cidade não tem mananciais próprios e depende do sistema Imunana–Laranjal, já sobrecarregado). Para o grave problema de mobilidade da cidade, utiliza o argumento de que adensamento irá melhorar as condições do trânsito, sem considerar que o aumento da população irá sobrecarregar ainda mais a rede viária da cidade, que tem no acesso à ponte Rio-Niterói um grande gargalo, dado que parte significativa dos moradores da cidade tem no Rio de Janeiro o seu local de trabalho. Essas questões apenas exemplificam a intenção de estimular o mercado imobiliário enquanto prejudica as condições gerais da cidade. Na quarta-feira, dia 15, às 17 horas, haverá uma Audiência Pública na Câmara de Vereadores, em modo híbrido. Muito importante participarmos e exigirmos a realização de Audiências por Região Administrativa, de modo a permitir a participação dos moradores que serão diretamente afetados. Muito importante a presença na Câmara, mas quem não puder, deve acompanhar pela internet e se manifestar. Vamos exigir nosso direito de definir o que queremos para nossa cidade! Facebook Instagram YouTube Assine a petição Pela PROTEÇÃO do Patrimônio Ambiental, Cultural e Cênico de Itaipu! AQUI Leia em mais detalhe sobre o projeto de lei aqui: Relatório da qualidade da água nas Lagoas da região oceânica:
- "This Is Not A Drill" de Roger Waters: uma conversa sobre ameaças reais à humanidade
Originalmente publicado na Le Monde Diplomatique. Escrito por Mirna Wabi-Sabi e fotografado por Kate Izor. Leia sobre o Roger Waters no Brasil, em 2023, aqui. A nova turnê norte-americana de Roger Waters, “This Is Not A Drill”, que começou em Pittsburgh dia 6 de julho, não tem uma mensagem — é uma conversa. O show é um convite de Waters para se sentar ao lado dele como num bar e ter uma conversa séria sobre o amor, a vida, o desespero e como as pessoas no poder estão destruindo a humanidade. O poder, aqui, não é discutido em termos de partidos políticos, os democratas estadunidenses não são poupados do escrutínio, e todos os líderes mundiais das superpotências são pintados no mesmo tom: criminosos de guerra. Para um artista com uma carreira de meio século, Waters mostra que acompanha o cenário mercurial do entretenimento e da tecnologia, ao mesmo tempo que está abertamente desinteressado em usar essa capacidade para seguir tendências. Ele forja seu próprio caminho musicalmente, visualmente e politicamente — sem pé atrás — como tem feito desde os anos 60. Este caminho autêntico não é uma imposição ou uma palestra. Em vez disso, ele pede ao público que se envolva em séria reflexão e debate sobre ameaças brutais à raça humana e à dignidade humana. Como em amizades às vezes há discordância, o vínculo entre ele como artista e seu público não é baseado em ter as mesmas opiniões, mas em compartilhar sentimentos profundos, especialmente diante da miséria. Se você não está disposto ou desposta a conversar sobre a tragédia a qual a humanidade é submetida, e os indivíduos e instituições responsáveis por essa tragédia, não apareça. Dito isto, a opinião política explícita não exclui membros da audiência com visões divergentes. Na verdade, é explicitamente inclusivo, e não acolhe apenas os fãs do Pink Floyd. Mesmo que você nunca tenha ouvido Pink Floyd (sei que é difícil imaginar isso, mas é possível), ou não saiba nada sobre eles, aqui está uma oportunidade para uma introdução. O show abraça e celebra pessoas de todas as raças, etnias, gênero e identidades sexuais, além de defender ferozmente o direito de cada grupo marginalizado de viver e prosperar. Por causa desse equilíbrio entre nostalgia e questões contemporâneas cruciais, essa performance fala com pelo menos três gerações, de jovens adultos a seus pais e avós. A crítica social não é sutil quando aborda questões de colonialismo, violência policial, sanções, mídia social, nacionalismo, racismo, disparidade de riqueza, patriarcado e assim por diante. Mas como crítico, Roger faz mais do que detonar — ele procura construir comunidades, unidade e respeito pela vida humana em toda a sua diversidade. Embora algumas pessoas possam ser vistas fechando a cara ao ler “Direitos Reprodutivos” no telão, você pode ter certeza que os verá emocionados cantando Eclipse poucos minutos depois. Não é novidade que a política de Waters tem incomodado muitas pessoas, ele sabe disso e aborda a questão abertamente. Aqueles que pensam que a falta de apoio de Roger a Israel significa que ele é anti-semita, por exemplo, verá que esse show não apenas reforça sua posição pró-Palestina, mas também mostra como sua postura não é nada além de radicalmente hostil ao fascismo. Se você estiver aberto ou aberta para essa conversa, verá que há um acordo sobre como combater o fascismo é imperativo, e questionará não só como essa ideologia se manifestava, mas também como ela se manifesta agora. Hoje, quem detém o poder e massacra, vigia e desmoraliza pessoas inocentes? Se você se permitir participar dessa conversa, verá que a opinião imutável dele sobre essa pergunta é: o Exército dos EUA, a polícia, os políticos encarregados deles e os ultra-ricos que manipulam esses políticos. Numa tentativa de evitar spoilers, o visual e a configuração única do palco só podem ser descritos como espetaculares, e momentos “uau” são introduzidos continuamente ao longo do show, mantendo milhares de pessoas todas as noites à beira de seus assentos. Os solos de guitarra e cantoras de back-up gratificam qualquer fã obstinado do Pink Floyd e os inspira a cantar junto. Enquanto os fluxos dinâmicos da set list, sem mencionar os fantásticos solos de saxofone, fazem qualquer pessoa interessada em música dançar. Acima de tudo, a presença icônica de Roger Waters no palco é feroz e calorosa. Ele é íntimo e sincero, mas também severo e autêntico. Prepare-se para os extremos entre afeto e merecidos “foda-ses”, e especialmente, para sua voz maravilhosamente familiar compartilhando algumas das músicas mais adoradas de todos os tempos. _______ Por Mirna Wabi-Sabi
- 'Mata das Bruxas': livro reúne entrevistas e textos de Silvia Federici
De acordo com Silvia Federici, a primeira edição de 'Mata das Bruxas', publicado pelo coletivo Plataforma9, traz diálogos e artigos que discutem o papel da mulher na sociedade capitalista. O coletivo jornalístico Plataforma9 publicou em 2021 a primeira edição do projeto "MATA das Bruxas", com a apresentação e introdução do trabalho da pesquisadora marxista Silvia Federici, pensadora italiana especialista no tema da exploração do capital sobre o corpo e o trabalho de mulheres, especialmente mulheres pobres. Para Mirna Wabi-Sabi, editora do coletivo, "a leitura, diferentemente de afiliação ou título, revela um compromisso ao conhecimento que não se permite abrir mão da liberdade e da criatividade pessoal". Por Camila Araújo Continue lendo na Opera Mundi
- O que significa Justiça no caso do linchamento de Moïse Kabagambe
Artigo publicado na Le Monde Diplomatique Brasil. FOTOS: Manifestação por Justiça no caso Moïse Kabagambe na Barra, Rio de Janeiro (Crédito Fabio Teixeira) Sábado, 5 de fevereiro, manifestantes foram às ruas de grandes cidades brasileiras pedindo Justiça. Um jovem africano foi linchado – torturado até a morte – em uma praia no Rio de Janeiro. Os perpetradores, também pessoas trabalhadoras, estão sob custódia e alegam que não houve intenção de matar; que eles estavam reagindo ao comportamento errático e irresponsável do imigrante. A família da vítima, por outro lado, alega que ele só estava pedindo para ser remunerado por dois dias de trabalho. Nenhuma narrativa, no entanto, justifica o que aconteceu, uma barbárie que foi filmada em vídeo. A prisão dos homens que amarraram outro homem e o espancaram é o que consideramos Justiça? Moïse Kabagambe foi um refugiado congolês que morou no Brasil uma década. Na praia onde foi brutalmente assassinado, era conhecido como “angolano”. Isso é como apelidar um estadunidense de “mexicano” ou um brasileiro de “venezuelano”, porque são países vizinhos no mesmo continente. A falta de entendimento de sua comunidade sobre as circunstâncias que o trouxeram ao Brasil em primeiro lugar já é uma injustiça – que não será revertida com a prisão de ninguém. Em 2008, a Segunda Guerra do Congo, que começou em 1998, matou mais de 5 milhões de pessoas e é considerada a mais mortal desde a Segunda Guerra Mundial. A primeira aconteceu logo antes, também na década de 1990, e foi resultado direto de forças coloniais e imperialistas se intrometendo com líderes africanos e explorando as diferenças étnicas na região. O Zaire, que hoje é conhecido como República Democrática do Congo, foi feito de corda em cabo de guerra entre forças comunistas e anticomunistas, até a dissolução da URSS e do interesse dos EUA em endossar seu líder. Moïse nasceu no ano em que uma guerra terminou e outra começou, um período em que mais de 5 milhões de crianças não receberam educação devido à turbulência política – os níveis de alfabetização estavam em seu nível mais baixo e o trabalho infantil e a exploração em seus níveis mais altos. Ao longo de sua juventude, seu país esteve sob uma operação das Nações Unidas de “manutenção da paz” (Monusco), que fez mais para criar uma indústria clandestina de armas do que evitar conflitos. Entre os países envolvidos nessa operação estava o Brasil, com seus militares e policiais. Hoje, um general brasileiro é Comandante da Força da Monusco, e é o quarto comandante do Brasil a ocupar o cargo, tornando-o o país mais representado no projeto em termos de liderança. Muito antes de tudo isso, a região do Congo já havia passado por atrocidades sob o regime belga e sua indústria da borracha. Na virada do século passado, entre a última década de 1800 e a primeira de 1900, africanos sob o regime colonial do rei belga foram escravizados, mutilados e mortos a taxas bárbaras. Fome, doenças e exploração perpetuada pelo colonialismo e suas indústrias com fins lucrativos foram responsáveis pela morte de mais da metade da população local; incontáveis vidas. Mas a intromissão estrangeira não é tudo o que há a se dizer sobre este país da África Central. (Crédito Fabio Teixeira) Cultura e resistência Apesar do incessante oportunismo geopolítico, o Congo sobreviveu geograficamente e prosperou culturalmente. De acordo com o WWF, “a Bacia do Congo é habitada por humanos há mais de 50.000 anos e fornece comida, água fresca e abrigo para mais de 75 milhões de pessoas”. O rio Congo é o maior em volume depois do rio Amazonas. Sua floresta tropical também é a maior depois da Amazônia. Como pessoas brasileiras, nossa paixão pela preservação do nosso bem mais magnífico e precioso deve ser estendida ao nosso vizinho ecológico, já que, juntos, nossos países são os detentores das mais “importantes áreas selvagens que restam na Terra”. Música e literatura congolesa também encontram na expressão artística uma ferramenta de autoestima e poder. Kolinga, um grupo congolês, hoje faz hinos feministas decoloniais. No século passado, hits de soukous e rumba congolesa tornaram-se clássicos internacionais, bem representados na compilação Congo Revolution “Revolutionary and Evolutionary Sounds From The Two Congos 1955-62”. A literatura, que merece tradução e distribuição ampla, é ainda mais comovente e representativa da maré artística da nação. O poema “Segunda Dimensão” do escritor congolês Rais Neza Boneza, em seu livro “Nômade, sons do exílio”, é particularmente perspicaz, talvez até especificamente para a situação de Moïse e sua comunidade imigrante no Brasil. Que ele fale por si: Perto de sua mesa está um copo de água; Pela janela ele olha para o transeunte: Ele observa e sempre espera, espera, espera. A amargura nutre seu ser; Sujeito a mal-entendidos E falsos ares de ‘gente’ Ele é um prisioneiro. Ele se senta, as mãos em volta do queixo Pensando solenemente Em seus sonhos, seus espíritos escapam O mundo das dificuldades E viajar nas extensões do Céu azul selvagem Ele se inclina sobre a mesa, meio preocupado, meio satisfeito. Neste lugar dele não há compaixão; O mal ronda sua presa; Rancor canta sua melodia da manhã, Um estranho à sua terra, Ele bebe melancolicamente de seu copo… Um gole de liberdade. Marginalizado e carente, Muito longe está soprando para ele o vento da liberdade Ele é um clandestino, sempre sem endereço, Não um nômade, mas um recluso no meio da humanidade. Em sua clausura de cristal imbatido* Ele segue os ecos de seus gritos silenciosos. Uma rocha de loucura, só a solidão lhe responde. Ele se assusta! Seu coração bate rápido! Ele se levanta da cama! Ah! É apenas um pesadelo! Este é um pesadelo do qual Moïse Kabagambe e sua família não vão acordar, nem a diáspora africana será protegida da desumanidade de tais atos. Mas podemos, como sociedade, começar a interpretar a Justiça como um conceito abrangente – não apenas como algo que o sistema judicial pode fornecer. Justiça significa ver, respeitar e apreciar o valor de acolher pessoas diferentes de nós em nossas comunidades. Justiça significa fazer o que pudermos para aprender, entender e lutar contra um paradigma geopolítico alimentado pelo abuso e pela exploração (por exemplo, exigindo reparações). Justiça significa pensar, perguntar e sentir a Humanidade em todos nós. Manifestação por Justiça no caso Moïse em São Paulo, MASP, 5 de fevereiro — Foto e vídeo, (Crédito Mirna Wabi-Sabi) _____ *Nota de tradução: ‘Imbatido’ como o particípio passado de ‘imbatível’, do original ‘unbroken’. _____ Mirna Wabi-Sabi é escritora, editora e tradutora. É fundadora e editora chefe da Plataforma9 e autora do livro de bolso bilíngue Anarco-Transcriação.
- A narrativa desumanizante em torno dos assassinatos policiais no Rio de Janeiro
Essa publicação foi vencedora do 39.º Prêmio de Direitos Humanos de Jornalismo na categoria fotografia — troféu paulo dias. E recebeu menção honrosa no 44.º Prêmio Vladimir Herzog. Aviso de gatilho: violência e morte. Fotos por Fabio Teixeira, tiradas no dia 11 de fevereiro de 2022 na Vila Cruzeiro. O conteúdo dessa série fotojornalística representa um enigma ético para mim como escritora e merece um aviso de gatilho severo. O termo “aviso de gatilho” é frequentemente associado à chamada cultura "Woke", de “guerreiros da justiça social”, mas, aqui, eu o uso literalmente. Gatilhos reais foram acionados e você como audiência está preparada para ver evidências fotográficas das consequências? Por um lado, reproduzir essas imagens é, também, reproduzir a violência bárbara nelas retratada. Por outro lado, talvez, estar exposta a ela, como pessoa leitora e cidadã, possa fornecer a dose de realidade necessária para despertar uma consciência combativa, que pode ser usada para provocar mudanças reais. Mudança não apenas em quais gatilhos estão sendo acionados, onde e quando. Mudança na forma como falamos uns sobre os outros e uns com os outros. As palavras usadas para descrever o que aconteceu no Rio de Janeiro dia 11 de fevereiro de 2022 foram baseadas principalmente no que a Polícia Militar teve a relatar. “Criminosos” foram mortos numa favela. São não-identificados, sem nome, mas eram 8, e eram “marginais”. Segundo o porta-voz da polícia, eles estavam atrás de Chico Bento, um líder de quadrilha que fugiu e usou jovens, pobres e negros como escudo. Em outras palavras, o homem procurado fugiu porque a polícia estava ciente da estratégia e não estava disposta a sacrificar vidas inocentes. Vidas foram sacrificadas mesmo assim, sem vergonha, inteligência ou escrúpulo. Os cadáveres foram tratados de forma desumana, talvez apenas como um reflexo final de como os corpos eram tratados quando estavam vivos — e a brutalidade continua na disseminação da retórica em torno de quem eram essas pessoas. Assassinatos policiais Neste descanso sem paz, não apenas os mortos são as vítimas. Toda uma comunidade é submetida à narrativa desumanizante usada pela polícia, e perpetuada pelos meios de comunicação de massa, para justificar ações injustificáveis. Então, ao invés de repetir o que já foi dito sobre esse caso — qual favela, qual líder de quadrilha, quantas armas, quantas drogas — devemos discutir quais são as consequências dessas operações, ou assassinatos policiais. Não há evidências de que as operações da Polícia Militar ou a presença da Unidade de Polícia Pacificadora nas favelas cariocas tenham alcançado algum sucesso no controle da indústria de drogas e armas ilegais. Comunidades marginalizadas são aterrorizadas tanto pela polícia quanto pelos traficantes locais. De fato, comunidades negras marginalizadas são aterrorizadas pelas autoridades desde antes da existência do crime organizado, antes mesmo da existência da polícia ou do Estado que ela protege. O que é 'crime organizado'? Em primeiro lugar, deve haver o conceito de crime, definido por lei e respaldado por instituições governamentais. E para que seja organizado, deve ser maior que uma única infração, grande o suficiente para se tornar uma indústria paralela e lucrativa. As favelas se organizaram o suficiente para suportar um legado de terror que persistiu por meio milênio. A força policial que realiza operações de “pacificação” nas favelas foi criada antes da formação do Estado brasileiro, para 'caçar' pessoas escravizadas em fuga. Em outras palavras, a instituição policial precede a constituição e o estabelecimento de direitos humanos básicos. O que distingue o crime organizado das operações fracassadas de inteligência policial é o apoio das autoridades, sejam elas quais forem. Ao longo da história, testemunhamos mudanças na autoridade institucional, da Monarquia, para a República, para uma moderna Constituição Liberal. Por toda parte, a Polícia persiste, comete crimes, às vezes auxilia organizações criminosas organizadas, mas, mesmo assim, segue controlando a narrativa. O direcionar o discurso público é a ferramenta mais valiosa de uma instituição. Sua capacidade de convocar apoio é o segredo de sua longevidade. Quando se trata da polícia e do exército, a narrativa de que “marginais”, “criminosos”, "terroristas" não são nada mais do que apenas isso não só sustentou como agravou a sede de sangue em grande parte da população. Os apoiadores de Bolsonaro, amantes de armas, anseiam pela punição brutal de criminosos, adoram vídeos online de roubos que deram errado. O slogan dos anos 80, criado por um Delegado de Polícia do Rio de Janeiro, ainda é alarmantemente popular: “Bandido bom é bandido morto." Não há dúvida de que o Brasil vive sob uma estratégia política de extermínio, a questão é qual narrativa um cidadão compra. Uma que propaga a ideia de que algumas pessoas merecem morrer porque não passam de criminosos marginais. E outra, que acredita que todas as pessoas merecem dignidade. Não existem criminosos, existem pessoas que cometem crimes. Não existem marginais, existem pessoas que foram marginalizadas. Não existiram escravos, existiram pessoas que foram escravizadas. Quando deixamos de ver a humanidade nos outros, falhamos ela em nós mesmos. Talvez, ao sermos confrontados com imagens de dignidade sendo maliciosamente negada aos outros, possamos lutar pela dignidade deles tanto quanto lutamos pela nossa. _______ Mirna Wabi-Sabi é escritora, editora e tradutora. É fundadora e editora chefe da Plataforma9 e autora do livro de bolso bilíngue Anarco-Transcriação.
- Proteção ambiental da Mata Atlântica
SOS Mata Atlântica Das estratégias políticas para combater o desmatamento localmente, devemos nos perguntar qual é a mais eficaz e adequada para nós como indivíduos: o voto, o lobby ou a conscientização da comunidade? Para aqueles que optam por evitar se envolver na política eleitoral, não é tarefa simples continuar essa prática diante das posturas e políticas grotescas do atual presidente. Por um lado, me parece que presidentes fazem menos em termos de política real e mais em termos de ‘vender’ ao público em geral e fabricar apoio para qualquer política que já esteja a caminho — o que é do interesse de um sistema econômico capitalista global em oposição aos interesses de eleitores. Por outro lado, os princípios sustentados por esses indivíduos em funções administrativas importantes têm o poder de direcionar o discurso e comportamentos em massa, normalizando valores retrógrados que têm repercussões concretas na sociedade. Engajar-se em iniciativas locais de lobby, no entanto, coloca em perspectiva quais são os resultados reais da votação em nosso ambiente imediato. Escrito por Mirna Wabi-Sabi "Eu moro em uma área única do Brasil com vegetação rochosa da Mata Atlântica — única o suficiente para conceder a demarcação de uma reserva de proteção natural chamada Serra da Tiririca. Essa demarcação veio depois de muitos danos terem sido causados pela rápida e massiva indústria imobiliária dos últimos 40 anos. O terreno onde minha casa foi construída era um brejo, onde viviam jacarés e pássaros, além de plantas raras. Infelizmente, minha casa é uma das poucas, senão a única no bairro onde o crescimento espontâneo de plantas é permitido, e os animais são bem-vindos ao invés de espantados ou mortos." Leia na Le Monde Diplomatique
- Os ultra ricos sonham com unicórnios da Fintech
“A América Latina é conhecida por seus estilos de dança mambo e salsa, porém, há algo mais agitando a região”… (Salas, 2022) Alguma coisa boa poderia vir depois dessa abertura? FINTECH. Fintech é a abreviação de Tecnologia Financeira, e os investidores afirmam que será a solução para a desigualdade econômica. Inclui serviços bancários online, criptomoedas, crowdfunding, aplicativos de compras de ações, pagamentos móveis e assim por diante, como ferramentas para “inclusão financeira” de pessoas economicamente marginalizadas. Os ultra ricos têm a capacidade de convencer a si mesmos, e aos que os cercam, de que o que as pessoas pobres precisam para sair da pobreza é algo que um empreendedor pode oferecer. E o que é mais agitado na área de empreendedorismo do que gigantes da tecnologia no Silicone Valley? Novos aplicativos e invenções bancárias online estão sendo vendidos na América Latina como a solução para todos os nossos problemas financeiros — tornando as transações mais rápidas e baratas — como se o problema nas finanças de pessoas pobres fosse a falta de ferramentas para administrar o dinheiro, e não a falta de dinheiro. Este mês, a Forbes.com publicou um artigo esperançoso sobre como a fintech pode ser uma solução para a desigualdade de renda chamado “Fintech avança na América Latina” (Fintech Leaps Forward In Latin America), escrito por Sean Salas, CEO de uma empresa de serviços financeiros online com sede em Los Angeles. A Camino Financial, sua empresa, tem um site que proíbe visitas da minha região do Brasil — meu endereço IP está bloqueado, mas uma VPN anula a proibição. De acordo com o Departamento do Tesouro dos EUA, empresas de serviços financeiros na Internet, como a dele, “desenvolveram procedimentos de bloqueio de endereço de protocolo de Internet (IP)” para abordar sem sucesso os “riscos de conformidade da empresa.” A proibição de endereços IP de certas regiões geográficas pode ser feita se eles quiserem cumprir políticas de sanção dos EUA ou “satisfazer seus requisitos de diligência prévia” (Departamento do Tesouro dos EUA, 2004). Ou seja, o homem que escreveu para o site da Forbes sobre o potencial revolucionário da fintech na América Latina também é CEO de uma empresa financeira que proíbe visitantes online de determinados locais da América Latina. De todas as pessoas, ele sabe de primeira mão como a internet, especificamente os serviços financeiros baseados na internet, tem um potencial severo de se tornar inacessível, restritivo e caro – assim como os bancos já são. “Cinco bancos controlam mais de 80% de todos os produtos financeiros do Brasil. Juntos, esses bancos se tornaram os mais lucrativos do mundo. Se você ver as taxas de juros e taxas que os consumidores pagam por esses produtos, é extremamente caro.” (Salas, 2022) O que podemos fazer para garantir que estamos realmente resolvendo o problema dos Bancos, e não apenas transferindo o problema para a internet? Exigindo dignidade a todas as pessoas em primeiro lugar. O seu empreendedor local está pagando um salário digno a todos os seus trabalhadores? Essas novas gadgets brilhantes nos manterão entretidos e distraídos por algum tempo, mas certamente não resolverão o problema real com o qual lidamos: pessoas trabalhadoras pelo mundo inteiro não estão sendo pagas o suficiente. Os ultra ricos acumulam suas riquezas ao não pagarem seus trabalhadores um salário digno e, até que isso mude, essa crença na meritocracia continuará a decepcionar. Estar “na vanguarda da inclusão financeira” é remunerar adequadamente os trabalhadores e fornecer a todos os cidadãos necessidades básicas de saúde e educação – não fornecer maneiras modernas para que os pobres se sintam ainda mais quebrados e inadequados. Nesse sentido, “Unicórnios” da Fintech é um termo adequado para esses empreendimentos, pois estão claramente fora de contato com a realidade. Certamente, eles são úteis, pois podem ser usados (especialmente durante uma pandemia que exige distanciamento social), mas não devemos exagerar suas capacidades de mitigar a desigualdade. Inquestionavelmente, ainda temos um problema muito maior em mãos: há pessoas desabrigadas, famintas e morrendo enquanto oligarcas fazem guerra, destroem florestas e vão para o Espaço. Na verdade, alguns desses oligarcas provavelmente têm os pés na piscina das fintechs. A América Latina é conhecida por muito mais do que apenas ritmos e danças. É conhecida pela sua biodiversidade magnífica, natureza deslumbrante, resiliência indígena diante da exploração colonialista e o poder espiritual da diáspora africana. Se os empreendedores de fintech não reconhecerem a necessidade de venerar e proteger esse legado, suas contribuições para o cenário latino-americano serão mesquinhas. Fontes: Salas, Sean. (2022) “Fintech Leaps Forward In Latin America” US Department of the Treasury. (2004) “Compliance For Internet, Web Based Activities, And Personal Communications” Mirna Wabi-Sabi é escritora, editora e tradutora. É fundadora e editora chefe da iniciativa Plataforma9 e autora do livro de bolso bilíngue Anarco-Transcriação.
- Um Guia para Publicação Online
É evidente que fakenews, ou publicações online falsas, têm repercussões políticas seríssimas. Cenas de videogames foram compartilhadas nas redes sociais como cenas reais da guerra na Ucrânia. Situações como essas refletem as limitações da nossa atenção online. Será que tomamos o tempo de refletir e procurar fontes dos conteúdos midiáticos que consumimos? Produzir conteúdo midiático é esclarecedor para consumidores de mídia. Quem publica um artigo online tende a ter instituições e pessoas profissionais que se responsabilizam por esse conteúdo — Uma editora de um jornal, o criador de um blog, etc. Essas instituições têm sites, elas pagam pelo espaço que elas ocupam na internet (como um aluguel), e nesse contrato ha nomes de pessoas responsáveis pelo conteúdo que está sendo divulgado ali. Esses sites, nos melhores casos, dizem "quem somos", "de onde somos", "como somos financiados", "quais são os nossos princípios", etc. É importante não só saber como procurar essas informações, como também reconhecer o que significa quanto elas não estão disponíveis. Coisas postadas nas mídias sociais (facebook/instagram) são publicações e deixam de ser inéditas para outros sites de notícias que republicarem depois. Por isso, não se cobra ou paga por elas, pois a publicação original pertence à mídia social. Para coisas inéditas, a ideia é postar no site da instituição que se propõe a publicar o conteúdo, e depois postar nas mídias sociais com o link do site original. O ideal é que as mídias sociais sejam usadas para promover uma publicação, e não ser a fonte da publicação — Já que a mídia social é uma fonte com pouca credibilidade, é instável, e fora do campo de influência direta dos autores e autoras (O site do facebook não é seu, ou da organização que se propõe a publicar o seu conteúdo). Para Publicadores: Garanta que todas as pessoas que aparecem nos vídeos e fotos deram permissão para serem gravadas e publicadas. Crianças precisam da permissão dos pais. Essa permissão pode ser enviada em poucas palavras no corpo de um email, por exemplo. (Se o conteúdo for importante, borre ou cubra rostos de pessoas não identificadas, ou que não tiveram a oportunidade de dar permissão.) Imagens devem ter data, lugar, e crédito; uma descrição é bom, mas opcional. O conteúdo textual deve mostrar: Onde/Quando algo está acontecendo, O que está acontecendo, Por que isso está acontecendo, Por que isso importa para quem está consumindo esse conteúdo? OU Onde você está? O que você está fazendo? Qual a relevância/importância disso? Quando tomamos essas práticas de ética jornalística a sério na nossa produção de conteúdo, também esperamos o mesmo dos produtores de conteúdo que consumimos. E assim, nos tornamos consumidores de mídia mais responsáveis, e fazemos a nossa parte para combater as fakenews ao torna-las ineficazes. ___ Por Mirna Wabi-Sabi, professora de alfabetização midiática e editora.
- Guerra na Ucrânia: “Se render não é uma opção”
Este artigo vem acompanhado de entrevistas legendadas no YouTube, que também podem ser ouvidas no nosso podcast ou lidas como transcrição aqui. Enquanto milhões de pessoas escapam da guerra na Ucrânia, este mês, Kseniia Tomchyk voltou para a cidade onde nasceu, Berehove, perto da fronteira com a Hungria. Depois de ter passado 7 anos no Brasil, o conflito a motivou a retornar ao seu país natal para ajudar sua família. Além do amor e preocupação pelos pais, ela também é motivada por valores humanos. De acordo com Tomchyk, Putin é um “ditador psicopata” que não aceita a independência de seu país, e muito menos a tendência de seu povo de ir em direção aos valores europeus. O debate que circula esse acontecimento geopolítico trágico tende a focar na relação entre a OTAN e a Rússia, e políticas internacionais dos Estados Unidos. Mas, para Kseniia, “usar a ‘OTAN’ como explicação é uma desculpa esfarrapada”. Na intimidade da família, onde há sonhos de um futuro melhor, Kseniia mostra como os princípios éticos e morais de seu povo podem chegar mais perto da verdadeira razão deste conflito. Na entrevista acima, Kseniia se apresenta, e nos conta por que está voltando para a Ucrânia. O que são valores europeus, e como eles diferem dos valores russos? Kseniia descreve a Rússia como um país autoritário, onde não há democracia, a imprensa não é livre, e não ha liberdade em geral. Por outro lado, a Europa prega valores “democráticos: vida, liberdade e respeito”. Eles são formalizados num artigo do Tratado da União Europeia, e visam garantir que a população tenha a liberdade de “expressar opiniões”, inclusive através do voto. A Rússia, em teoria, também tinha eleições. Putin sempre ganhou, e quando ele chegou no limite de termos consecutivos, Medvedev entrou no poder, mas nunca se candidatou novamente. A Rússia Unida, o partido hegemônico do país, tem valores que existem em simbiose com os de seu líder. Esses princípios são denominados “conservadores”, “pragmáticos”, e “anti-radicais”. “Conservadorismo” pode ser visto como associado aos valores da igreja russa ortodoxa. Entre outras coisas, ela formaliza a categoria de Patriarcado, já que um indivíduo no papel denominado Patriarca exerce poder político e trabalha em proximidade com o partido. “Pragmatismo” pode ser visto como a priorização de assegurar a ordem, acima de qualquer outra motivação moral e ética (como liberdade de expressão). E “anti-radicalismo” representa a rejeição do paradigma político binário de esquerda e direita, favorizando a centralização ideológica e governamental. O ‘anti-radicalismo’, em particular, tem relação direta com o estado precário do jornalismo independente na Rússia — O que, recentemente, se tornou um problema global. A Rússia é notória por ser um lugar perigoso para jornalistas, com centenas de mortes e desaparições registradas. Desde os anos 90, após a queda da União Soviética, a constituição do país inclui a liberdade de imprensa, mas, na prática, jornalistas são coagidos a praticar a autocensura. Hoje, a Rússia se torna uma ameaça a jornalistas internacionais. Desde que a guerra na Ucrânia começou, pelo menos 12 jornalistas foram mortos. Uma ameaça à mídia, é uma ameaça à democracia, pois o povo precisa estar informado, ou ter acesso a perspectivas plurais para tomar uma decisão informada sobre suas posições políticas. Por esse motivo, dentre outros, Putin não é um líder que conceitualmente representa os valores da Democracia, mas ele tem o apoio de muitas pessoas na Rússia, assim como ha muitas pessoas que aderem aos princípios de seu partido. Se houvesse eleições, ele teria altas chances de ganhar. Kseniia acredita que "não podemos culpar isso apenas na falta de informação ou manipulação midiática. A população russa tinha acesso à internet antes deste conflito começar" e, em teoria, um mundo de informação estava ao seu alcance. O governo pode formalizar valores grandiosos e belos, e colocar eles no papel, mas cada pessoa também tem a responsabilidade de colocar esses valores em prática, no dia-a-dia. Agora, há uma oportunidade para essas pessoas repensarem essa posição complacente com valores duvidosos, já que a Rússia está com sua reputação abalada, e sanções estão causando desconforto em toda a população. Na entrevista acima, Kseniia nos conta o que tem feito na Ucrânia e sua perspectiva sobre situação política de seu país. [Transcrição disponível abaixo] A Europa tem suas contradições, ela acumulou riqueza através da ocupação e exploração de países colonizados, ainda tem Monarquias, e em muitos casos, pelo menos até recentemente, leis que proíbem “injúria à majestade” na mídia (Lèse-majesté). Portanto, quanto falamos de liberdade de imprensa, a coerção de jornalistas independentes não é uma prática exclusiva da Rússia. Nos EUA, alguns 'whistleblowers' famosos (e.g. Assange) também se exilaram, alguns até na Rússia, como é o caso de Snowden. No Brasil, temos políticos, pesquisadoras e escritoras que receberam ameaças ao ponto de se exilarem na Europa (Jean Wyllys, Larissa Bombardi, Marcia Tiburi, por exemplo). E também assassinatos políticos, como no caso de Marielle. Ir em direção a um valor europeu como a liberdade jornalística não necessariamente significa acreditar que a civilização europeia ou democrática seja superior, pois ela está longe de ser perfeita e de colocar seus valores propriamente em prática. No caso da Ucrânia, como descrito pela Kseniia, preferir um conjunto de valores, mesmo que ainda não sejam perfeitamente praticados, significa acreditar numa jornada em direção a um horizonte, um potencial desejável para o futuro. Isso existe em oposição a uma sociedade cujas autoridades oferecem um horizonte, um objetivo final para o povo, que apesar de visar a igualdade social e minimizar a desigualdade econômica — valores registrados no manifesto do partido Rússia Unida — também visa uma existência confinada no paradigma do Patriarcado cristão. E mais, onde autoridades têm o propósito de centralizar o poder através da erradicação de ideologias divergentes, em prol da ‘ordem’ através do controle social. Isso não quer dizer que alguns ucranianos não adotam valores russos e preferem escolher esse caminho. Considerando o histórico de coerção, corrupção e reportagens pouco verdadeiras, julgar a autenticidade dessas posições pode ser tentador. Mas no final, todos nós lidamos com desinformação que alimenta a polarização política. O que garante a existência de um Estado é o consentimento da população, e criar e manter esse consentimento é um grande desafio, tanto quanto é essencial para a eficácia de suas políticas. Em outras palavras, a população de um país democrata, em teoria, ativamente permite a existência do Estado e viabiliza suas ações. Porém, é comum que esse consentimento seja adquirido através da coerção e da manipulação midiática. Isso não é apenas verdade na Rússia. É comum, numa democracia, que indivíduos votem para um candidato “menos pior” — cujos valores não os representam robustamente — porque sabem que o político (geralmente um homem) tem mais chances de ganhar. Especialmente numa nação como os EUA, que, apesar de se considerar politicamente descentralizada e livre, as eleições são centralizadas em 2 partidos (Republican e Democrat). No Brasil, muitas pessoas que tinham críticas ao regime político do Lula e da Dilma, também se posicionaram contra o impeachment de 2016, e estão mais que dispostas a colocar o PT de volta no poder, se isso significar a remoção do Bolsonaro de seu cargo. Nenhuma opção é perfeita, mas é uma alternativa preferível, quando não enxergamos outra. Certas opções são preferíveis o suficiente ao ponto de arriscarmos nossas vidas para garantir que iremos em direção a elas. Na Ucrânia, “nenhuma pessoa ferida na guerra, que está no hospital agora em Berehove, pretende voltar para casa depois de se recuperar. Todos vão voltar à guerra. Queremos ser livres, e não existir para satisfazer os desejos e ambições de um indivíduo [Putin]” (Kseniia Tomchyk). O terror e a urgência desse paradigma global da democracia e da luta pela liberdade é que ele ameaça a sobrevivência de pessoas vulneráveis. Kseniia se arriscou ao voltar a sua cidade natal para defender seus valores, e apoiar sua família. “Grandes organizações ajudam, mas cada um fazendo a sua parte nos leva muito mais longe, e alcançamos muito mais.” Todos em seu vilarejo com espaço em casa estão abrigando alguma família refugiada. Doações de roupas, remédios e comida não param de chegar. “Me perguntam como eu posso voltar para a Ucrânia nessa situação, e eu respondo ‘como posso não voltar!’ Se render é dizer que concordamos. Preferimos morrer do que nos render a isso. Não é uma opção viver sob o controle do Putin. Ucranianos não querem ser escravos de um psicopata com ambições, e viver para satisfazer essas ambições. É até difícil responder à pergunta ‘por que não se render?’, essa possibilidade nem passou pela nossa cabeça. Se render não é uma opção.” ________ Mirna Wabi-Sabi é escritora, editora e tradutora. É fundadora e editora chefe da iniciativa Plataforma9 e autora do livro de bolso bilíngue Anarco-Transcriação.
- Universidad de Costa Rica: Uma 'quimera' se tornando realidade
Universidad de Costa Rica Lendas, mitos e história se unem para resgatar sonhos e ilusões de antigas culturas ao redor do mundo para criar novas quimeras e persegui-las até que se tornem realidade. Isso é possível graças a uma publicação que é, por si só, um ideal de um grupo de estudantes da Universidade da Costa Rica (UCR) que foi alcançado: a revista virtual Quimera. Segundo Ivannia Victoria Marín Fallas, diretora da revista, Quimera é um projeto cultural e educacional independente, gerado a partir da iniciativa de um grupo de estudantes da UCR, que visa difundir arte e conhecimento; não apenas virtualmente ou impresso, mas também por meio de atividades que envolvem membros da comunidade. Os eixos da publicação são a literatura, a história, o folclore e, em geral, o patrimônio das culturas antigas e sua sobrevivência . A revista é publicada semestralmente e é virtual, embora alguns exemplares também sejam impressos. De acordo com Marín, que é filólogo clássico e atual aluno do Mestrado Acadêmico em Literatura Clássica, os lucros obtidos com a venda de cada número são direcionados a uma organização não governamental social ou de bem-estar animal diferente em cada ocasião. “Desde a fundação deste projeto, trabalhamos constantemente, sem fins lucrativos, para incentivar e divulgar a criação literária e o conhecimento de diversas culturas por meio de nossas publicações digitais. Também organizamos atividades como o III Concurso Literário AFL de Mitologia Greco-Romana, em colaboração com a Associação de Estudantes de Filologia da UCR, entre outras”, explicou Marín. O diretor garante que a revista já chegou a 88 países e ultrapassa 45 mil visualizações. Os artigos foram lidos em países como Rússia, Itália, China, Brasil, Nova Zelândia e Espanha, país com maior número de visualizações seguido por Costa Rica e México. O quarto volume da revista será apresentado no próximo dia 15 de junho no Centro Cultural da Espanha na Costa Rica, a partir das 18h, e contará com a participação da equipe editorial composta por Félix Alejandro Cristiá, Victoria Marín Fallas e Masiel Coroa Santos. Da mesma forma, estarão presentes Penélope Gamboa, Xochipilli Hernández, Ulises Paniagua e Xóchitl Cuauhtémoc Xicoténcatl, que geraram conteúdo para a revista. Para mais informações você pode visitar o site da revista virtual Chimera clicando AQUI. O quarto volume de Quimera, nas palavras do editor Félix Cristiá: Em virtude das letras que acompanham este volume, entramos no misterioso mundo das plantas, graças a essa tentativa de entender a Linguagem Arborescente que Josué Rodríguez Calderón invoca em seu poema, talvez com o desejo de percorrer as leis que criaram os seres humanos e alcançar a simplicidade ao mesmo tempo tão complexa a que alude Xochipilli Hernández. Ao longo deste caminho pudemos perceber as mudanças naturais como um batimento cardíaco – insinua Xóchitl Cuauhtémoc – que se torna uma memória, uma Oferenda. Há muitas maneiras de se aproximar. Não é esse o segredo guardado pelo sábio avô mencionado por Hubert Malina? Esses segredos, visíveis apenas para aqueles que usam seus sentidos acima da razão, repousam entre as árvores recitadas para nós por Alberto Arecchi e Carlos Belziti, nos Lírios de Pablo Guisado, na chuva de Masiel Corona Santos, no milho. Falamos de um ser que se metamorfoseia. Nossos ancestrais tiveram a coragem de tentar decifrar a síntese entre o visível e o inexperiente, mas não puderam fazer mais do que observar atentamente. Através do mito, e talvez o que mais nos anima neste momento, a história, eles interpretaram e ensinaram as mudanças da natureza, como nos lembra Angélica Santa Olaya em Frutos do amor, ou Aldo Vicente Favero com sua lendária semente. Assim como aqueles mestres das letras universais, que encontraram na história a forma de abordar o mundo fantástico, Ulises Paniagua nos conta sobre as mandrágoras, e Ricardo Evangelista sobre um menino da floresta que olha com horror para o machado do homem civilizado. Da mesma forma, Eduardo Honey Escandón lembra a magia dos manguezais, veios da terra que moldaram uma estrutura que se renova, ora tão forte e teimosa como o tronco determinado de que nos fala Penélope Gamboa, ora tão frágil quanto a margarita de Maria Pérez Yglesias. Relembrando a paixão de escrever para aprender, aprender a investigar e pesquisar para difundir, Patricia Zanatta conta um pouco sobre os segredos medicinais das plantas andinas, que por sua vez é a história de toda uma população. Através de um retorno à floresta para a qual o ensaio de Carlos Guzmán (Gani) nos convida, onde não governam as regras humanas, mas a incessante maravilha das crianças, chegamos finalmente a deixar de lado o pensamento ousado de que só podemos aprender com os especialistas e cientistas; passamos a prestar mais atenção nas folhas, nas pétalas, ou nas lagoas, como Mirna Wabi-Sabi nos apresenta, pois apesar dos incríveis avanços da ciência, o ser humano ainda não é capaz de replicar e prever todas as facetas do reino da natureza. Esses textos (escritos em espanhol, português, Mè'phàà, Nahuatl e Bribri) juntos dão conta das diferentes manifestações de conhecimento e imaginação , transmitidas através de vários estilos e linguagens, inspiradas por sua vez por todo um mundo que, se adotarmos as crenças de os autores com os quais tratamos, poderia ser uma única, enorme, exaltada entidade que, no entanto, se manifesta de inúmeras formas para que o ser humano possa compreendê-la de várias maneiras, e assim, talvez, também possa se perceber como parte do mesmo esplêndido todo. "Quimera procura conciliar os valores da universalidade e da diversidade através do mito, da história e da arte em geral." (Ivannia Victoria Marín Fallas, diretora da revista Chimera) ________ Universidad de Costa Rica
- Jornais anarquistas para Além das Fronteiras da Arte
Quebrando Limites: O Jornal de Borda Além das Fronteiras da Arte Uma publicação sobre jornais anarquistas PDF Disponível aqui. Resumo: As publicações dos artistas são frequentemente utilizadas em estudos de arte contemporânea nas discussões sobre publicações impressas. No entanto, estas publicações vão para além das suas nomenclaturas e do seu lugar nas instituições de arte. As fronteiras das artes visuais estão cada vez mais difusas, e as discussões sobre as obras de arte tornam-se mais potentes quando vistas dentro do espectro mais amplo da cultura visual. A estética tem o poder de produzir conhecimento e de estabelecer relações com as formas de viver e de estar no mundo e através da história. As publicações, como tal, são lugares sociais que podem mediar as relações entre as pessoas, especialmente quando envolvem questões como o feminismo, o capitalismo e a descolonização. O Jornal de Borda, um de muitos jornais anarquistas, de cultura visual que circulou na América Latina em português e espanhol entre 2015 e 2021, é um exemplo de expressão artística em publicação impressa. Estabelece estrategicamente o nome de corpos dissidentes — referidos como "corpas" — no contexto da arte dentro da cultura visual; estabelece as relações entre estes corpos e o anarquismo dentro do contexto latino-americano;e a estética relaciona-se diretamente com outros jornais do século passado, tais como A Plebe, honrando a história e, simultaneamente, fazendo história. PDF Disponível aqui. Leia por completo no site da Vista. Disponível em inglês e português. ___________ Fernanda Grigolin Pós-Graduação de Cultura Visual e Arte Latino-Americana, Universidade Católica de Pernambuco, Recife, Brasil Mirna Wabi-Sabi Plataforma9p9, Brasil