No âmbito das organizações da sociedade civil, existe uma tendência a pensar que a solução para os problemas é encontrar remédios para os sintomas. Mas isso não funciona, nunca funcionou. A situação em Gaza é emblemática nesse sentido.
Domingo, dia 29 de setembro de 2024, assisti à curta manifestação na Union Square dos Israelenses pela Paz em Nova York. Estava chuviscando e ventando, então cobri meu cabelo com um véu laranja que comprei em Dubai. Enquanto eu fazia alguns vídeos e fotos, um homem, também segurando uma câmera, se aproximou de mim e murmurou alguma coisa. “Se os árabes fossem pacíficos como esse pessoal, não teríamos problemas no Oriente Médio”. Eu virei e perguntei: “o quê?”. Ele reiterou, aproximando-se ainda mais: “Se vocês fossem pacíficos, como estas pessoas, não estaríamos tendo problemas no Oriente Médio, né?” Assustada, eu só disse: “Ah, tá…” e fui embora.
O que só me ocorreu alguns segundos depois, enquanto eu me afastava, me fez chorar. O véu o fez pensar que eu era muçulmana e, a partir disso, ele também presumiu que eu era árabe. Isso significa que, se na minúscula fração de tempo que passo em público com o cabelo coberto por um véu foi suficiente para que alguém se aproximasse de mim com insultos, só posso imaginar o quão pior deve ser para as mulheres muçulmanas que cobrem diariamente.
Esse homem estava tentando me provocar e provar o quão hostil é o ‘meu povo’. Ele fez isso de uma forma que, se eu tivesse realmente retrucado, não teria nenhuma prova do que me provocou. Ele se aproximou e falou o mais baixo possível para que apenas eu ouvisse. Ele queria que eu soubesse que o que está acontecendo “com o meu povo” na Palestina é justificado, que eu realmente não mereço existir. Mas ele também sabia velar as suas intenções, e não posso deixar de ver esse momento como o microcosmo de como esse conflito se desenrola. A dicotomia entre paz e terror, autodefesa e terrorismo.
Por um lado, temos israelenses que querem existir ao lado de uma Palestina segura e próspera. Por outro lado, sionistas que pensam que um grupo étnico é uma ameaça e merecem o que lhes acontece. Enquanto isso, Gaza é dizimada e os apoiadores dos Palestinos assistem horrorizados.
No dia anterior, o Central Park acolheu o Global Citizen Festival 2024, um festival anual de música organizado pela Global Citizen, um movimento que visa acabar com a pobreza extrema em todo o mundo. Os participantes são incentivados a agir, embora não esteja claro qual ação. Uma variedade de patrocinadores corporativos (todos alimentos e bebidas, à luz da fome mundial) e estrelas da indústria musical ajudam a colocar algumas das principais iniciativas da sociedade civil, ONGs, no holofote.
Alegadamente, o Festival “resultou em 1 bilhão de dólares em compromissos para derrotar a pobreza, defender o planeta e exigir equidade” para comunidades marginalizadas. O festival atraiu cerca de 60.000 participantes, mas detalhes sobre os custos reais de sediar o evento não foram divulgados (Buddy Iahn, para The Music Universe).
Esse Bilhão de dólares não está no banco. Representam “compromissos” de governos, empresas e filantropos para financiar projetos e iniciativas destinadas a acabar com a pobreza extrema, promover a sustentabilidade, melhorar a educação e abordar questões de equidade em todo o mundo – sem um prazo específico. Esses compromissos podem incluir contribuições financeiras, mudanças políticas ou parcerias para implementar soluções em áreas como cuidados de saúde, educação, alterações climáticas e desenvolvimento econômico. Os fundos são atribuídos a vários projetos ao longo do tempo, muitas vezes com metas e marcos específicos. Tudo muito vago, mas garante que o grande B apareça bem no papel e faça com que todos se sintam bem com todos os alimentos, bebidas e entretenimento ao vivo que consomem, enquanto pessoas morrem de fome em outro lugar.
As ações incentivadas pelo Global Citizen Festival incluem a assinatura de petições, o compartilhamento de mensagens nas redes sociais, o contato com representantes governamentais e a participação em campanhas que abordam questões como pobreza, mudanças climáticas, educação e saúde. Estas ações supostamente ajudam a pressionar líderes mundiais, empresas e instituições a comprometerem recursos e fazerem mudanças políticas que contribuam para os objetivos do festival. Ao participar dessas atividades, os indivíduos podem ganhar pontos para recompensas, como ingressos.
Vários líderes mundiais, empresas e instituições estiveram envolvidos e presentes nesse evento. Incluindo Nancy Pelosi. Então, não posso deixar de pensar que essas pessoas já sabem do problema, não é? Por que nós, indivíduos na audiência, precisamos ligar para eles, postar sobre eles, assinar petições para mostrá-los os problemas? É para o benefício da causa, ou para o benefício da visibilidade desses líderes, empresas e instituições?
Aumentar a conscientização é a chave aqui. Conscientizar as pessoas para agirem. E essas ações são essencialmente para conscientizar mais, para agir mais, para conscientizar mais…
Doja Cat foi a única a mencionar Gaza no Global Citizen Festival, juntamente com a Ucrânia, o Sudão e o Congo, como “zonas de conflito”. Há fome em Gaza? Sim. Se pensássemos sobre como seria a ação para mitigar a insegurança alimentar em Gaza, ela não seria enviar uma carta à Casa Branca ou assinar uma petição para pedir que alimentos sejam enviados para lá.
No âmbito das organizações da sociedade civil, existe uma tendência a pensar que a solução para os problemas é encontrar remédios para os sintomas. As pessoas estão com fome na África? Vamos doar dinheiro a uma ONG que dá comida aos africanos. Mas isso não funciona, nunca funcionou. A situação em Gaza é emblemática nesse sentido.
A dura verdade é que a maioria das pessoas não quer pensar sobre o que seria necessário para prevenir a fome, em vez de colocar uma tampa neste problema infinitamente transbordante. Em outras palavras, a solução para a fome não é mais comida. É abordar o motivo da falta de comida.
Por que existe fome na África? Conflitos políticos, instabilidade econômica, alterações climáticas. Por que há fome em Gaza? Conflitos, bloqueios econômicos e acesso severamente limitado aos recursos decretado por uma administração política perturbada. Será que realmente achamos que doar sacos de arroz, escrever cartas e assistir Post Malone no Central Park contribuirá para resolver tudo isso?
O grupo Israelenses pela Paz (Israelis for Peace NYC) não permite bandeiras nos seus eventos – Palestinas, Israelenses ou outras – porque, para eles, as bandeiras são provocadoras. Eles pretendem criar um ambiente centrado na defesa de um cessar-fogo bilateral e de ajuda humanitária sem símbolos “divisivos” (Jacob Kornbluh, para The Forward). Não existe uma solução real que não seja provocadora, que não vire este planeta, e seus sistemas, de cabeça para baixo. Somente quando começarmos a aceitar isso é que começaremos a provocar algumas soluções úteis, querendo ou não.
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