“Chega de chacina, polícia na favela, Israel na Palestina!”
- plataforma9

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Este era o grito no protesto no Rio de Janeiro, dia 31 de outubro.
Fotos e vídeos de Fabio Teixeira, 31 de outubro de 2025, no Rio de Janeiro.
Dia 28 de outubro de 2025, o Rio de Janeiro se transformou numa zona de guerra. Uma megaoperação das forças de segurança do estado do Rio, envolvendo cerca de 2.500 policiais, foi deflagrada contra a facção criminosa Comando Vermelho. Pelo menos 132 pessoas foram mortas, tornando a operação policial a mais letal da história da cidade.
Na madrugada do dia 29, mais de cinquenta corpos foram carregados por moradores e dispostos em uma praça pública no Complexo da Penha, para que os familiares pudessem tentar identificá-los – sem qualquer apoio do Estado. Muitos dos mortos chegaram apenas de cueca, anônimos.
O protesto
No dia 31 de outubro, um protesto pela paz reuniu moradores das favelas, jovens, familiares das vítimas, ativistas e defensores dos direitos humanos. A energia era urgente e intensa – faixas pedindo o fim do massacre, a identificação das vítimas e justiça para as favelas tremulavam ao vento. Mães e pais se sentavam nas calçadas, chorando, em silêncio, com a cabeça baixa. O trauma coletivo era palpável.
As pessoas no Rio e nas comunidades vizinhas falam de choque e luto, mas também de raiva e determinação. O protesto foi uma declaração de que o governo não sairá impune dessa brutalidade. Exigiremos nomes, identificação e apoio jurídico para as famílias. Porque sem isso, não há justiça, apenas apagamento.
O massacre expôs a forma como o Estado trata os corpos (e as vidas) de homens, em sua maioria jovens, negros e de baixa renda, moradores das favelas. Após a operação, autoridades governamentais a declararam um sucesso, mas os moradores percebem que essa estratégia assassina de operações policiais, que já dura décadas e que claramente só aumenta o número de vítimas, ainda não apresentou resultados. E nunca apresentará resultados no combate ao crime organizado, porque não aborda a raiz do problema: a subjugação sistêmica dos moradores das favelas e o racismo institucionalizado. Tudo o que faz é satisfazer uma ideologia supremacista e sanguinária de limpeza étnica e extermínio de um contingente da população que não é útil para a manutenção do sistema capitalista.
Essas pessoas mortas são seres humanos e merecem dignidade, humanidade e direitos. De acordo com direitos humanos internacionais, o Estado tem o dever de identificar as vítimas, notificar as famílias, fornecer apoio jurídico e psicossocial e, o mais importante, conduzir uma investigação independente. Essas obrigações não são opcionais e ainda não foram cumpridas. A ausência dessa resposta, a falha em identificar adequadamente os mortos e o tratamento vergonhoso da situação como "bandido bom é bandido morto" sinalizam violência institucional em níveis sem precedentes.
Sejamos claros: mesmo que todas as pessoas mortas nesta operação fossem membros de gangues (o que ainda não foi comprovado), isso não isenta o Estado de sua responsabilidade. São jovens, em sua grande maioria negros e moradores de favelas. Foram atacados, encurralados, baleados, esfaqueados, decapitados, sem julgamento ou devido processo jurídico. Quando um segmento da população (definido por raça e classe) é tratado como um inimigo a ser exterminado, estamos entrando no âmbito do genocídio.
A narrativa oferecida pelo Estado, de que 'um morador de favela merece morrer porque faz parte de um Estado paralelo inimigo,' espelha outras narrativas genocidas em todo o mundo. Diz-se que os palestinos merecem morrer por causa do Hamas; os moradores de favelas merecem morrer por causa do crime organizado e de gangues como o Comando Vermelho. Até mesmo as armas usadas no Rio incluem fuzis de fabricação israelense (como o IWI Arad fornecido à Polícia Militar do Rio). Em ambos os casos, as pessoas são desumanizadas, privadas de direitos, excluídas da ordem simbólica. Essa é a lógica do genocídio, quando a violência é normalizada contra um outro indesejado.
O que Lula disse
O presidente Lula gerou controvérsia ao afirmar que os traficantes de drogas também são vítimas dos usuários; há pessoas que vendem drogas porque há pessoas que compram, e pessoas que compram porque há pessoas que vendem. A oposição disse que isso equivalia a banalizar o crime de tráfico. No entanto, a declaração aponta para algo mais profundo: o reconhecimento de que aqueles que são forçados a entrar na economia das drogas são, eles próprios, vítimas de um sistema de subjugação, desigualdade e consumo por parte dos privilegiados.
No contexto deste massacre mais recente, a implicação é clara. Jovens reduzidos a bucha de canhão, lutando uma guerra sobre a qual tiveram pouca escolha, parte de economias informais geradas pela falta de oportunidades, enquanto os consumidores da classe média e da elite permanecem protegidos do escrutínio e consequência. As palavras do presidente deveriam nos levar a enxergar além do rótulo de "criminoso" ou "bandido" e perguntar: Por que tantas vidas são consideradas descartáveis nas favelas?
Por que essa operação fracassa
A lógica da megaoperação é cruelmente simples: usar força esmagadora, apreender armas e declarar vitória. Mas décadas de operações semelhantes no Rio e no Brasil mostram que isso não quebra o ciclo de crimes violentos. Pesquisas demonstram que a polícia do Rio mata mais pessoas em operações a cada ano do que a polícia dos Estados Unidos inteiro. O trauma dessa violência se espalha, famílias são destruídas, crianças ficam órfãs, comunidades aterrorizadas e desconfiadas. O protesto pela paz no Rio não se resume a essa única operação; é um grito contra décadas de policiamento militarizado, violência racial e negligência estrutural.
Um apelo por justiça e humanidade
Após os acontecimentos de 28 e 29 de outubro, as exigências são claras:
Todas as vítimas devem ser identificadas; as famílias informadas; e deve ser fornecido apoio jurídico, financeiro e psicossocial.
Uma investigação completa e transparente sobre como e por que as pessoas foram mortas.
O fim das declarações que criminalizam comunidades inteiras em vez de abordar as causas profundas da desigualdade, do racismo, da falta de oportunidades, da marginalização, do consumo de drogas por parte dos privilegiados e da corrupção em instituições governamentais que encobrem má conduta e uso excessivo da força.
O policiamento deve ser substituído por investimento social e pela reconstrução do contrato social para desmantelar suas estruturas de racismo institucional.
Se esperamos que o mundo condene a violência em outros lugares, que defenda os chamados países 'civilizados' que respeitam os direitos humanos, devemos primeiro olhar para nós mesmos. A supremacia branca e a violência patrocinada pelo Estado continuam sua lógica genocida no Brasil, em Gaza, em todos os lugares.
Para aqueles de nós que não foram diretamente afetados, a luta não acabou. Devemos fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para apoiar as comunidades afetadas, exigir justiça e desafiar as narrativas de extermínio. Esta não é apenas uma crise no Rio; é um espelho que reflete o globo.
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