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Mirna Wabi-Sabi

A Magia da Água na Tailândia e a Religião da Prosperidade

Atualizado: 13 de jun.

A Tailândia é um país único e orgulhoso. As suas línguas e espiritualidade decorrem de uma intersecção particular entre o Pali, a língua sagrada do Budismo Theravada, e o Sânscrito, a língua sagrada do Hinduísmo. A monarquia tailandesa é proeminente e o foco na riqueza emana não apenas da cultura como um todo, mas especificamente da devoção espiritual da população. Qualquer indivíduo turista na Tailândia está propenso a ficar “templotado”; esgotado de tantos templos, de todos os tamanhos e em todos os lados. Esses templos, que muitas vezes são recém-construídos e cuidadosamente mantidos com tinta branca e folhas de ouro, de forma alguma são feitos para o observar da pessoa estrangeira. Na verdade, pessoas não-praticantes podem se sentir intrusas, cercadas pela população local adorando apaixonadamente. Esse paradigma tailandês desconstrói a percepção dominante no Ocidente de que as riquezas espirituais e materiais estão em conflito umas com as outras, que toda a riqueza (ou o desejo por ela) é um avanço do capitalismo, e não da alma.


Water feature in Thailand

A comunidade de imigrantes na Tailândia é composta, em grande parte, por homens brancos que se casaram com mulheres tailandesas. A questão do turismo sexual, em combinação com uma nova lei que descriminaliza a maconha, dá a alguns pontos de Bangkok uma energia de luz vermelha de Amsterdã. E embora exista um conservadorismo religioso generalizado que enxerga esse consumo de drogas e entretenimento sexual como tabu, a visão de riqueza e prosperidade material, de alguma forma, supera outros aspectos da moralidade religiosa. A riqueza e a prosperidade são partes significativas da devoção tailandesa e não estão necessariamente em conflito com outras práticas e crenças espirituais.

Os templos têm cofres, ouro não falta, e tanto o dinheiro quanto as folhas de ouro são ritualizados. Isso, por si só, está longe de ser incomum para quem cresceu testemunhando a devoção católica e a configuração ornamentada das catedrais. Mas o que mais me chamou a atenção, devido ao meu fascínio por mini-lagos, é a quantidade de elementos aquáticos em espaços públicos. “A água desempenha um papel importante em muitas religiões” (página 5), ​​e a ideia de água benta é bastante familiar para pessoas cristãs. Mas na Tailândia, os laguinhos parecem ir além do domínio do templo religioso; eles têm uma função pessoal e são implementados em todas as oportunidades.



Lagos em vasos de cerâmica com nenúfares lindos (e caros), bombas de água para fontes, espelhos d'água, etc., estão por toda parte. Sem falar nos festivais que acontecem em toda a cidade, que consistem em jogar água em tudo e todos nas ruas. A tradição tailandesa claramente observa a água de forma particular.

Ao perguntar por que tantas entradas de estabelecimentos têm elementos aquáticos, pequenos, mas luxuosos, pessoas apresentam diversas explicações. Imigrantes dirão que é simplesmente bonito ou que vem do Feng Shui. Alguns moradores dirão que, tradicionalmente, era comum ter água disponível para as pessoas beberem durante a época de seca, ou para as pessoas lavarem os pés antes de entrar em casa. E alguns dirão francamente – é algo que atrai riqueza.

Um artigo de 2022 da Universidade de Naresuan, denominado “Água” no Regime de Tradições e Rituais Tailandeses, descreve essa observância da água como decorrente de tradições “grandes” e “pequenas” – “grandes” como nas escrituras budistas e hindus, e “pequenas”, como na agricultura local e na ancestralidade.


Rice field in Northern Thailand
Campo de arroz no norte da Tailândia.

Obviamente, a agricultura requer água, mas o cultivo do arroz, em particular, requer inundação. O arroz não precisa de terras inundadas para prosperar, mas ele prospera nelas, enquanto outras plantas não. Assim, historicamente, esse alimento básico da dieta tailandesa informou a cultura tailandesa e como ela aborda os altos e baixos das estações de seca e chuva; as idas e vindas da água como uma abordagem prática para a prosperidade e a abundância. Diz-se que o povo Isan do norte da Tailândia, por exemplo, consagra a água num ritual para o cultivo do arroz (página 116).

A água, na tradição tailandesa, ao observar as escrituras budistas e hindus, simboliza “o meio para conectar este mundo ao mundo sagrado”. A água é uma deusa chamada Phra Mae Thorani, retratada nos logotipos das empresas de distribuição de água em toda a Tailândia e do partido político mais antigo do país.



A água também é onde vivem os Nagas (página 30), seres míticos que protegem tesouros, entre outras coisas. Segundo a antiga lenda tailandesa, as cobras, como representação animista dessas divindades, não devem ser temidas, mas sim admiradas. Embora possam representar perigo quando provocados, eles também podem realizar desejos de riqueza e prosperidade. Essa é talvez a representação mais adequada de uma bifurcação moral na procura pela riqueza – capacidade de agir e prosperar, ou ganância exploradora. Os Nagas podem te trazer chuva, e isso irá regar suas plantações ou inundar a sua casa; um lembrete para sempre nutrir um coração justo ao visar riqueza.

Como a água e a sua fauna, a flora parece ter um enorme significado espiritual no folclore tailandês. Flores aquáticas como o lótus (Nelumbo nucifera) e o nenúfar (Nymphaea) também são simbólicas tanto no budismo quanto no hinduísmo, e têm o mesmo nome em tailandês (ดอกบัว). Os nenúfares, em particular, podem ser vistos nos lagos em vasos de cerâmica ao redor de templos, santuários, edifícios da realeza e até mesmo em fachadas de lojas nas principais cidades da Tailândia, geralmente acompanhados por pequenos peixes betta, que são nativos do país. Nenhuma dessas fontes de água, com ou sem peixes, apresentam larvas de mosquitos; às vezes têm girinos, caracóis ou insetos barqueiros (quando não são tratados quimicamente ou são um chafariz).


Nymphaea

Um cultivar rosa de Nymphaea, nativa da Tailândia, leva o nome de Nang Kwak, a deusa da fortuna. Essa “Dama Acenando tem sido usada há muito tempo por comerciantes e vendedores de baixo nível, e é o único amuleto cujo significado inicial está no mercado” (página 365 do artigo A Geografia Sagrada dos Mercados de Bangkok). Nessa pesquisa, a autora descreve a “espiritualidade mercantil” como nada de novo, embora a sua popularidade tenha aumentado nas últimas décadas. Uma “religião da prosperidade” moderna mostra que, à luz de uma paisagem capitalista em rápida expansão, a espiritualidade, o folclore e a tradição não estão em conflito com a modernidade.

A cultura tailandesa mostra como o animismo e o politeísmo são práticas espirituais contemporâneas por definição. No Ocidente, onde as religiões monoteístas se estabeleceram brutalmente como norma, o paganismo é muitas vezes enquadrado como algo do passado e os seus praticantes são reduzidos a reencenadores históricos. Mas enquadrar o Budismo como um substituto do paganismo, por exemplo, é completamente irrelevante e inadequado quando se observa a religião cívica da Tailândia. A fusão do folclore tailandês, do budismo e do hinduísmo está tudo menos enfraquecida diante a metropolização desenfreada. Não há nada de intrinsecamente contraditório em trazer essas tradições e crenças espirituais para o domínio das sociedades capitalistas contemporâneas; na verdade, elas podem ser uma tábua de salvação ao lidar com a falta de alma nas cidades grandes.

Mirna Wabi-Sabi

Mirna Wabi-Sabi

Mirna Wabi-Sabi é escritora, editora e fundadora da Plataforma9. É autora do livro Anarco-transcriação e produtora de diversos outros títulos da editora P9.



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